10/02/20

Artefactos ( 95 )



Cohen nunca esteve tão na moda.

As hordas de cristãos-novos deliciam-se com as traduções de poemas seus ( vertidos para canções ou não ) as quais surgem todos os dias, em catadupas.

A propósito deste frenesi, que suspeito mais de cariz mercantilista que genuinamente cultural, recordei-me de “59 Canções de Amor e Ódio, e um poema sobre Portugal” publicado pela Fenda / Centelha em 1985. A introdução e tradução são responsabilidade de José Alfredo Marques.

Os Barcos de Guerra” ( The Warrior Boats )

"De Portugal os barcos de guerra contorcem-se no cais,

expondo seus vigamentos.

Gerações de gaivotas caem

através dos esqueletos de madeira.

Na cidade os belos marinheiros mortos,

intacta a sua paixão,

vagueiam pelos becos desbaratando  poemas e moedas gastas.

Garbosos bastardos!

Que lhes interessa o Império reduzido a metade de uma península,

a Rainha  tendo o conselheiro régio como sétimo e último amante?

Os seus mapas não mudaram.

As coxas ainda são brancas e quentes.

Novas fronteiras não alteraram a maravilhosa paisagem dos seios.

Nenhum congresso relegou a boca  rubra para um distrito longínquo.

Por isso deixai os barcos apodrecer no limite da terra!

As gaivotas hão-de encontrar outro sítio para morrer.

Deixai as metrópoles portuárias vestir luto

e insignificantes funcionários que preencham os papéis necessários.

Mas, vós, fazei as malas meus inimigos marinheiros!

Ide vagueando pelos becos desbaratando os vossos poemas e moedas gastas.

Ide batendo em todas as janelas da cidade.

Em algum lugar encontrareis o meu amor, adormecida e esperando.

E mal posso saber há quanto ela sonha com todos vós.

Levantai suavemente  o meu casaco dos seus ombros."
 

( The Warrior  Boats” foi publicado no primeiro livro de Leonard Cohen – “Let Us Compare Mythologies” – em 1956 )