Ser-se melómano tem destas coisas!
A paixão nunca se extingue. Apesar de já ter escutado
milhares de álbuns e dezenas de milhar de músicas, a paixão permanece, indiferente
ao tempo. Sem cansaço. E a cada esquina encontro mais razões para que assim
seja. A mais recente chama-se Time off e é uma cortesia de Steve Gunn.
Pouco referenciado fora dos circuitos alternativos, Gunn
conta já com um apreciável número de registos ( quase todos objecto de edições
limitadas ). A maioria a solo, mas também sob o nome de Golden Gunn ou
Gunn-Truscinski Duo. E é justamente com o apoio do baterista John Truscinski e do baixista Justin Tripp
que “Time
Off” é concretizado. O nova-iorquino parte dos locais habituais: Robbie
Basho, Sandy Bull, Jack Rose, Michael Chapman; porém desconstrói tudo o que são
ideias predefinidas e retoma a tradição exactamente no ponto em que a sua
criatividade o determina.
Ou, dito de outra maneira: parte de porto seguro, mas é
impossível saber onde irá aportar. E “Time Off” é isso mesmo, uma aventura
que começa em “Water Wheel”, serpenteando em volta de um riff hipnótico, mas
que rapidamente extravasa padrões e conceitos redutores para se (des)concentrar
na invenção, passada e futura. Passada, pois não é possível ignorar os nomes
atrás referidos, aos quais acrescentaria Kottke, Garcia, Jansch e Fahey.
Futura, porque aquilo que se escuta em “Time off” é claramente intemporal.
“Lurker” apresenta-se em modo drone, magnético, onde a voz e a guitarra solo são
preponderantes na estrutura de um tema vicioso e viciante.
É muito provável que Gunn
nunca tenha ouvido Hot Tuna, mas “Street Keeper” e “New Decline”
poderiam sem esforço fazer parte do alinhamento de “Hot Tuna” ou “Burgers”,
tal a similitude com a guitarra bluesy e voz de Jorma Kaukonen e, sobretudo, o
tonitruante baixo solo, marca de água de Jack Casidy. “Old Strange” veste a pele
de um blues preguiçoso a que o violoncelo de Helena Espvall confere assinalável
dose de melancolia. Para o fim “Trailways Ramble”, a cereja no topo do bolo.
Cerca de 9 m de um raga cósmico que não deixará ninguém indiferente e que
poderá muito bem vir a constituir um poderoso final de set nas prestações de
palco.
Arrojado e incontornável.