25/06/12

Milton Nascimento, uma reflexão


Tô cheio de cicatrizes, tô cansado, sou um cara triste e isso não depende de mim, quase nunca rio, mas quando me virem rir é porque é verdade… (Milton Nascimento )

Não é exactamente o tipo de sonoridade que melhor se enquadra nos padrões do Atalho mas, a propósito de mais uma anunciada visita de Milton Nascimento, deixo uma reflexão, com a perfeita convicção que muitos anos volvidos sobre os episódios que abaixo relato, continuamos a falar de um dos maiores compositores do Brasil e de uma das mais belas e versáteis vozes humanas em actividade  ( “ … a mais fantástica voz de homem que actualmente se pode ouvir …“, Rock & Folk nr. 113, Junho 1976 ).

Na primavera de 79, entre livrarias, discotecas, bistrots mal amanhados, Centro Pompidou  e galerias de arte, eu e o João Lisboa, “vagueávamos” nas ruas de Paris, sempre hesitantes entre a rive gauche e rive droite. A determinada altura parámos surpresos. Num dos placards publicitários especificamente colocados para o efeito, um cartaz anunciava um concerto de Milton Nascimento no Olympia.  As nossas reservas monetárias estavam no limite da sobrevivência e o tempo escasseava, pelo que a presença no concerto estava fora de questão.

Ainda assim, porque a admiração era enorme, procurámos chegar à fala com “Bituca” para,  no mínimo, obter uma entrevista. Já não faço a menor ideia como descobrimos o hotel onde estava hospedado, mas conseguimos contactar Wagner Tiso (o pianista e amigo ) que nos informou que dentro de uma semana, Milton estaria no Coliseu para dar o seu primeiro concerto em Portugal.  Entrevista de imediato combinada para o dia da chegada a Lisboa.

Na data e no local previamente acertados, aguardávamos. Milton chegou com o seu secular boné , óculos escuros sonolentos, estômago proeminente -  apanágio de todo o mineiro que se preza - , mas completamente vergado pelo cansaço. Honesta e humildemente pediu desculpa por não nos conceder a entrevista. Precisava descansar para o concerto da noite no Coliseu. “Mandem-me as perguntas para esta morada”, atirou. “Eu respondo na volta do correio.”

Nessa noite um Coliseu a abarrotar, funcionou como anfitrião para uma das mais dotadas vozes humanas que teve oportunidade de escutar e deliciou-se com  16 canções magnificas; melodias construídas por Milton em torno de poemas seus, de Fernando Brant, Ruy Guerra, Ronaldo Bastos e Márcio Borges.
Desde esse dia, “nada mais foi como dantes”. Nem podia!

Cerca de um mês depois, o cidadão Milton Nascimento, endereçou uma carta aos cidadãos Luis Peixoto e João Lisboa. No interior, dactilografadas, vinham as respostas às perguntas que lhe tinham sido oportunamente remetidas …