09/11/09

Jay Farrar & Benjamin Gibbard "One fast move or I'm gone"

“… a propósito, esqueci-me de referir que durante as três semanas que passei aqui sozinho as estrelas não apareceram uma única vez, nem sequer durante um minuto, pois era a estação dos nevoeiros, excepto na última noite, quando eu já me preparava para partir – agora as estrelas surgiam todas as noites, o sol brilhava até muito mais tarde mas um vento sinistro anunciava o Outono em Big Sur: dir-se-ia que o Oceano Pacífico inteiro soprava a plenos pulmões pelo Raton Canyon acima enquanto outras rajadas jorravam do extremo oposto fazendo estremecer todas as árvores cada vez que o sonoro uivo gemebundo se elevava ruidosamente do fundo do desfiladeiro – era um vento demasiado forte para um desfiladeiro tão pequeno…” ( Jack Kerouac em “Big Sur” )



Nas últimas duas décadas o fluxo alternativo da música americana deu a conhecer um conjunto de artistas cuja forma de expressão não se esgota no discurso musical. Vai para além dele e mergulha na sociedade, na cultura e na história. Neste âmbito, não sendo os únicos, os nomes de Richard Buckner, Neal Casal, Chris Cacavas, David Schramm, David Eugene Edwards ( 16 Horsepower, Woven Hand), Sam Beam (Iron & Wine), Willy Vlautin (Richmond Fontaine) ou Jay Farrar, são exemplos óbvios pois os trabalhos que assinam são plurais e acrescentam sempre algo mais ao que já sabíamos antes.

Jay Farrar por exemplo. Depois dos seminais Uncle Tupelo que liderou com Jeff Tweedy, criou os Son Volt, focalizando-se ainda mais na herança cultural, através de um discurso a um tempo moderno e tradicional. Mais contido que Tweedy (cujos Wilco têm oscilado entre o óptimo e o medíocre), construiu a solo e com Son Volt um espaço relevante a que mais tarde ou mais cedo teremos todos de voltar.



Há um par de anos, Farrar cruzou-se com Benjamin Gibbard, a alma penada dos Death Cab for Cutie (experimentem “Transatlanticism”). Descobriram que ambos alimentam um vertiginosa obsessão pela obra de Kerouac e, tal como com as cerejas e as conversas, uma coisa levou à outra e em 2008 encontravam-se em estúdio para escrever e gravar a banda sonora de um documentário que junta no ecran personagens tão diversas como Sam Shepard, Robert Hunter, Carolyn Cassidy, Patti Smith, Tom Waits, Lenny Kaye, Lawrence Ferlinghetti ou Michael McClure e que tem por objectivo evocar “Big Sur”, a obra que Kerouac publicou em 1962.

One fast move or I’m gone” não é contudo uma banda sonora convencional. Um conjunto de 12 canções originais que Farrar e Gibbard escreveram e interpretaram a partir de textos originais de Jack Kerouac para “Big Sur”. Depois de repetidamente escutado (trata-se de um trabalho com uma atmosfera que convida à dependência) percebe-se que os músicos se comportaram como verdadeiros fãs , criando o enquadramento perfeito para acolher os textos do autor.



Escutar “California Zephyr” ou “These roads don’t move” é como que mergulhar na narrativa do escritor e seguir de novo com ele até à estação rodoviária de Monterey e dali até à inóspita cabana de Monsanto (Ferlinghetti) em Big Sur. Aqui chegados convirá referir que as vozes, com destaque para a de Farrar, calorosa e afectiva, funcionam como um veículo através do qual os textos vivem, serpenteando pelo universo da memória colectiva da “beat generation”.

Evidências disto mesmo são “Big Sur”, o delta-blues “Final horrors”, “San Francisco”, “Sea engine” ou “The void”. Dos dois últimos elevam-se os ecos de “Sea” o poema épico que a experiência de Big Sur inspirou a Kerouac.



“Later that night, in the beach darkness, Jack led us by lantern light up to the little cliff where he would listen to the ocean and write his poem ‘Sea’. We scrabbled over gravelly sand and rock dunes, rustling against beach plants in the yellow, shadowy lantern light. As we sat down in the sand, there was a cold Big Sur wind in our ears and uncountable stars in our eyes. Jack proceeded to read the great nature poem that the ocean spoke to him. Such a poem could only come from an urban man who had been transfixed by the beauty and the awfulness of Big Sur… Jack read the poem for many minutes… It was a complex and mystical moment.” (Michael McClurePainting beat by numbers” em “The Book of Beats, The beat generation and the counterculture” Bloomsbury Publishing 1999)

Histórico e intenso.