21/05/09

Bill Callahan "Sometimes I wish we were an eagle"


Desde o princípio, com os Smog, embora mantendo uma periódica curiosidade, a minha posição relativamente ao trabalho de Bill Callahan foi sempre a de um “non-believer”.

Entre outras coisas, quer isto dizer que às “torch songs” de Callahan, levemente barrocas, pessimistas na maioria das vezes (“I used to be darker, then I got lighter, then I got dark again” confessa o próprio em “Jim Cain” a abrir o novo disco ) preferi quase sempre a assumida e corajosa misantropia de Richard Buckner ou, mais recentemente, a fé inquebrantável na resistência humana perante a adversidade que Micah P. Hinson patenteia.

Desta vez porém, face ao enorme alarido da imprensa inglesa a propósito do novo cd de Callahan, “Sometimes I wish we were an eagle” e, mais uma vez movido pela tal curiosidade periódica, decidi investigar.

Escuro, como todos os trabalhos do compositor do Maryland, desconfortável como são por vezes os discos escritos na intimidade da primeira pessoa, o segundo registo a solo de Callahan é um daqueles que teima em não entrar à primeira.



A voz e os textos surgem à frente. Os arranjos de cordas e metais ( responsabilidade de Brian Beattie ) parecem condenados a um papel secundário. Pura ilusão, como posteriores audições se encarregam de demonstrar. São os arranjos, designadamente os de cordas, que protegem e sustentam grande parte das canções.

E, neste capítulo, muito embora a atmosfera “dark” seja o denominador comum, há de tudo em “Sometimes I wish we were an eagle”.

Bons textos, melodias e arranjos a condizer como em “Eid Ma Clack Shaw” ou “Jim Cain” ( esta dedicada ao escritor James Mallahan Cain, autor de clássicos como “The postman always rings twice” ( em Portugal “O destino bate à porta” primeiro, “O carteiro toca sempre duas vezes” mais tarde ) ou “Double indemnity” ( “Pagos a dobrar” ) e que ao lado de John Fante, Chandler, Hammett, Jim Thompson ou David Goodis foi um dos poetas do romance negro americano da primeira metade do século passado; um universo muito particular onde as personagens viviam a preto e branco ou, se mais elaboradas, poderiam ter a sorte de experimentar uma terceira cor, o cinzento ).


Quanto mais se escuta este cd melhor se percebe o fascínio de Callahan pela obra do conterrâneo. As atmosferas melancólicas, tornadas irrespiráveis ( “The wind and the dove” ), as réstias de esperança servidas por melodias inócuas (“Rococo Zephyr” ), os rocks quase metronómicos ( “My friend” ), os espaços vazios sem vista para o futuro ( “All thoughts are prey to some beast” ), claustrofobias que se dispensavam (“Invocation of ratiocination” ) e a terminar “Faith/Void”, onde a voz, oportunamente embrulhada em violinos de seda, repete durante cerca de 10 minutos: “It’s time to put God away”, num exercício que certamente deixará exausto mesmo o mais radical dos agnósticos.

Sometimes I wish we were an eagle” será talvez um dos mais consistentes e duradouros registos de Bill Callahan. Ainda assim continuo a sustentar que, tal como a maioria do restante trabalho do autor, se destina quase exclusivamente a “true-believers”.