16/11/08

Jardins do Paraíso IX ( Gary Farr )


Foi necessário esperar perto de 40 anos, uma eternidade, para que o primeiro álbum solo de Gary FarrTake something with you”, um dos mais inspirados discos de um singer songwriter a emergir do underground britânico, conhecesse finalmente uma reedição legal e capaz de lhe fazer justiça.

Natural do Sussex, e filho do pugilista e improvável herói galês Tommy Farr, que em 31 de Agosto de 1937, no Yankee Stadium de Nova Iorque, ficou a escassos pontos de derrotar o lendário “bombardeiro negro” Joe Louis num combate pelo título mundial de pesos pesados, desde cedo que o jovem Gary se interessou pela música, em particular pelo rhythm’n’blues. Uma paixão que materializou entre 1965 e 1967 ao liderar a banda Gary Farr and The T-Bones.

Terminado o projecto, Gary Farr começou a movimentar-se nas margens do underground psicadélico de Londres e em 1969 gravou para a Marmalade um single a meias com Kevin Westlake (Blossom Toes). O patrão da nova editora Giorgio Gomelsky ficou impressionado e colocou Gary em estúdio suportado no produtor Reggie King (ex-Action), pelo compositor galês Meic Stevens e por instrumentistas como Martin Stone, Ian Whiteman, Mike Evans, Roger Powel (todos Mighty Baby), Andy Leigh (Spooky Tooth) e Brian Belshaw, outro dos Blossom Toes.

O resultado, “Take something with you”, ficou concluído no final de 1968. Contudo só seria publicado no Natal seguinte, quando Gomelsky já se preparava para encerrar as portas da Marmalade e deixar cair os artistas, fruto de promoção e distribuição deficiente. Uma contrariedade que no caso vertente , nem uma bem sucedida participação de Farr no Isle of Wight Festival 1969 conseguiu vencer.



Tecnicamente a vida de “Take something with you” terminava ali. Só viria a renascer muitos anos mais tarde quando, na âmbito de um dos cíclicos movimentos de prospecção e recuperação do passado, se lhe atribuiu verdadeira importância e envergadura.

Melódico, consistente, bem vocalizado e melhor tocado, todo o disco é um inspirado trabalho que remete o ouvinte para o inesgotável universo do folk-rock do final dos 60s. Um idioma que à data era utilizado por inúmeros intérpretes, nos dois lados do Atlântico.

Excluindo os blues assumidos que são “The Vicar and the Pope” e “Dutsbin”, Gary Farr percorre em registo pastoral universos habitados pelo Van Morrison de “Astral Weeks” (“Don’t know why you bother, child” ), pelo Tim Buckley de “Goodbye and Hello” ( no enormíssimo “Time machine” e em “Curtain of sleep” ), Tim Hardin (“Take something with you”), Phil Ochs (“Goodbye”), ao mesmo tempo que antecipa o bucolismo que a guitarra acústica de Jimmy Page viria a decorar no “Led Zeppelin III” (“Two separate paths together”).

Muito provavelmente a reedição do ano para o Atalho, este “Take something with you” inclui ainda os 2 temas do single gravado com Kevin Westlake, bem como 15 demos registados em versão lo-fi entre 67 e 70, entre os quais 7 inéditos absolutos e “In the mud” o qual conheceria a sua versão definitiva em 1970, no também muito recomendável “Strange Fruit”.

Gary Farr viria a falecer em Agosto de 1994 em Lauren Canyon, vitima de um ataque cardíaco. Ganhava a vida como fotógrafo em Hollywood e na época estava a trabalhar na adaptação ao cinema da autobiografia do pai.