Muita água correu debaixo das pontes desde que a adolescente Alison Bools deixou o Holy Child Convent School em Dublin para integrar os Mellow Candle com os quais, já em Londres, gravou “Swaddling Songs”. Ancorado na mitologia irlandesa, trata-se de um álbum de folk progressivo do qual não sou particular entusiasta mas que inegavelmente possui o seu charme e, mais importante, uma legião de apreciadores; designadamente coleccionadores que confrontados com a ultra raridade do disco original, depressa o transformaram numa espécie de Santo Graal.
Por razões várias Mellow Candle não vingou. Alison partiu para a África do Sul onde formou os Fibbertigibbet com os quais gravou alguns álbuns. Mais tarde, já nos anos 90, voltaria à Europa, envolvendo-se em projectos de inspiração celta (Eishtlinn), jazz (Earthlings) ou exclusivamente vocal (Oeda), opções interessantes mas quase sempre inconsequentes.
( Mellow Candle, 1972 )
Recentemente, os mais jovens artesãos do neo-folk britânico, na impossibilidade de trazerem Shirley Collins - a sua musa inspiradora -, de volta às gravações (anos atrás, Collins perdeu as extraordinárias capacidades vocais que fizeram dela um mito e uma figura de culto), voltaram-se para Alison, agora O’Donnell, que utilizam como uma elo de ligação entre o glorioso passado do folk britânico que pretendem recuperar e o presente.
Só no último ano, Alison já cantou em projectos de Steven Collins/The Owl Service (“The Fabric of Folk” foi já aqui comentado no Atalho ), Agitated Radio Pilot, United Bible Studies e Greg Weeks, de quem o novo “Sheer Cliff off Elka Park” se anuncia para breve.
Na vertente solo, Alison O’Donnell aceitou o convite da Fruits de Mer para gravar um single que a editora americana acaba de publicar numa edição limitada e em vinil colorido. Os dois temas são versões de “Day is done” e “Frozen warnings”.
“Frozen warnings” constituiu uma escolha arriscada e resulta num tiro completamente falhado. Temo que ainda estejam para nascer aqueles que serão capazes de suplantar a intensidade dramática e a beleza glacial que emergem da voz de Nico e dos arranjos de John Cale no original de “The marble index”. Quando comparada com a cantora alemã, a estrutura vocal de Alison O’Donnell ganha em cor e afectividade; logo, sente-se desconfortável num tema tão espartano e gélido como é “Frozen warnings”.
Ao contrário, “Day is done” revela-se um aposta sensata. A voz move-se francamente mais à vontade nos labirintos líricos e espaços melancólicos habitados por Nick Drake no original de “Five leaves left” . “Day is done” terá aqui uma das interpretações mais optimistas e luminosas que a canção de Drake permite.