10/06/08

"John Barleycorn reborn, dark Britannica"

A lenda associada à figura da mitologia britânica John Barleycorn, reza que num certo dia três meliantes decidiram que o pobre John devia morrer. Vai daí enfiaram o homem dentro de um barril e enterraram-no vivo. Na primavera seguinte, John emergiu, vivo, ostentando uma garbosa barba. Os três relapsos voltaram à carga; amarraram Barleycorn a um poste e torturaram-no, na esperança que morresse. Mas John foi mais forte e em lugar de morrer, o seu corpo transformou-se em grãos de cevada, os quais deram origem a cerveja. Ainda de acordo com a mitologia, Barleycorn nunca foi derrotado, passando ele a humilhar, através da bebida, todos os que o desafiavam.

Uma das cantigas tradicionais mais antigas das ilhas britânicas, consta que “John Barleycorn” terá sido escrita por autor desconhecido em 1588; adaptada por Robbie Burns em 1782 e desde então recuperada como cantiga de celebrações pagãs, sempre que se viviam as épocas relativas às colheitas dos cereais.

Mais recentemente desde que no final dos anos 60 do século XX a Inglaterra conheceu o renascimento da música tradicional, “John Barleycorn” tem sido seguramente uma das canções populares mais interpretadas pelos artistas do folk e do folk-rock. A adaptação mais conhecida será a dos Traffic no álbum “John Barleycorn must die”. Mas existem muitas outras (Steeleye Span, Bert Jansche, Martin Carthy, John Renbourn, Green Crown, Tickawinda, Pentangle ) a justificar a visita.

Em finais de 2007, Mark Coyle um entusiasta que anima a editora folk Woven Wheat Whispers, teve a ideia de pedir a um conjunto de “artistas maioritariamente desconhecidos e que fazem música folk não convencional” para se debruçarem sobre a lenda. O resultado chama-se “John Barleycorn reborn: dark britannica”, explora o mito e a respectiva personagem em 66 canções, repartidas por três capítulos: nascimento, morte e renascimento.

Dividido em duas partes ( um duplo CD com 33 temas e um segundo volume disponibilizado via download ) “John Barleycorn reborn” é uma das edições mais apaixonantes que a música inglesa de inspiração folk conheceu nos últimos anos.
Como se viu, o critério foi descobrir e promover músicos que se movimentam na música tradicional, criando em simultâneo novas formas, proporcionando que o choque/tensão entre o experimentalismo e as linguagens mais conservadoras ou tradicionais, crie uma outra forma de expressão. Se a isto se chamar “dark britannica” ou outra coisa qualquer, parece-me irrelevante.

Artistas como Story, Mary Jane, Sharron Kraus, Charlotte Greig, Alphane Moon, Straw Bear Band, Owl Service, Kitchen Cynics ou Martyn Bates, são nomes habituais nas diversas cenas alternativas. Outros serão porventura ainda mais obscuros. Todavia, todos contribuem para um espantoso conjunto de sonoridades que celebra uma mitologia de inspiração pagã, a qual tanto pode ser servida por uma melodia tradicional/medieval como por linguagem electrónica de matriz esotérica.

Deste confronto de sonoridades, resulta um belíssimo edifício com uma arquitectura própria a partir da qual, doravante, passarão a ser medidas todas as futuras construções em torno do folk tradicional inglês.