Há muito estou convicto da importância incontornável de “Liege and Lief” para quem, músicos ou historiadores, se disponha a abordar o folk-rock das últimas 4 décadas. Seguido de perto por “Hark! The Village wait”, o qual precedeu cerca de 1 ano, o álbum dos Fairport Convention publicado em 1969, permanece um paradigma do género no que à Inglaterra diz respeito ( a formação dos Steeleye Span que gravou “Hark!” integrava o duo irlandês Gay & Terry Woods e o facto é perceptível na matriz de alguns dos temas ).
Ao longo do tempo as mutações verificadas a partir do folk-rock têm sido inumeras. Na esmagadora maioria as tentativas redundam em acentuadas desilusões, a anos luz dos originais ( o exemplo mais recente pode ser ilustrada pela tentativa da corte do “wyrd folk” para recriar o legado da Incredible String Band, dos Trees ou de Dr. Strangely Strange ).
Apesar das mutações, experiências e cruzamentos de escolas já ensaiadas, ninguém havia sentido a inspiração ( ou a ousadia ) para fundir a electricidade contida de "Liege and Lief” com a herança folk da Inglaterra profunda que emana das canções interpretadas por Shirley Collins, a solo ou com Dolly Collins. Pelo menos, ninguém havia tentado e sobrevivido para contar. Até que chegámos a THE OWL SERVICE.
The Owl Service ( o nome foi retirado do título de um livro de Alan Garner publicado em 1967, que relata uma lenda galesa cuja figura principal é Blodeuwedd, uma mulher criada a partir de flores por um feiticeiro galês ) é Steven Collins “a charming young man” oriundo de Essex, detentor de um gosto impecável, conhecimento profundo da história do folk-rock e assinalável respeito pela tradição.
Comecei por ouvir os primeiros EPs que gravou e publicou timidamente, quase como quem pede desculpa pelo atrevimento. Fiquei sintonizado. Estávamos no âmbito da primeira liga. Nas trocas de emails que se seguiram, Steven exprimia o sonho de um dia poder reescrever “Liege and Lief”. Nunca me pareceu um incondicional de Sandy Denny, antes perseguia a ideia de juntar à solidez estrutural dos Fairport, a graciosidade e encanto em tempo expressos no canto de Shirley Collins.
Quando o CDr de “A Garland of Song” caiu na minha caixa do Correio em Junho do ano passado ( tal como os EPs mais uma edição privada e limitada a 100 exemplares ) parou tudo. Steven tinha conseguido. Não sei se reescreveu ou não “Liege and Lief” – está por confirmar se tal é possível – mas gravou um dos discos mais perfeitos do folk-rock, numa genuína celebração da melhor tradição inglesa.
Dito isto e para sintetizar em relação a “Garland of song”, chamaria a atenção para: a abertura fairportiana com o tema título, para “Child ballad #49” e “Oxford City” primeiro, “Katie cruel” e “Child ballad #218” depois; respectivamente palcos de duas descobertas extraordinárias: as vozes de Jo Lepine e Diana Collier.
Pelo meio ficam a atmosfera pagã dos temas tradicionais e a recriação rigorosa dos simbolismos populares nos temas originais de Collins. Um verdadeiro labour of love.
“A Garland of Song” será objecto de reedição em CD e vinil no próximo mês de Junho.