Aparentemente nos antípodas um do
outro, Bob Dylan e Richard Thompson poderão muito bem ser as duas faces da mesma moeda.
A dimensão dos dois talentos
encontra consonância perfeita na iconoclastia militantemente praticada por
ambos durante décadas. Percorreram sempre o “seu” caminho, imunes a pressões
exógenas e provavelmente também endógenas. Borrifaram-se para as opiniões das trupes
de oportunistas a que hoje eufemisticamente chamam de “influencers”. Criaram e
gravaram grandes discos num passado mais ou menos longínquo, outros, de
qualidade questionável, mais adiante. Souberam envelhecer amparados numa
dignidade sem paralelo ( lembrar o triste espectáculo dos Stones por exemplo ),
para já não referir a opção mais ou menos polémica de ambos a dada altura da
vida terem procurado abrigo na espiritualidade ( cristianismo e sufismo ) as respostas que entenderam necessárias para
seguir em frente.
Todos estes factores ( coincidência
não se afigura aqui o termo mais adequado ) dizem muito das similitudes
idiossincráticas destes dois membros do top five de génios do Atalho (
refiro-me apenas aos que ainda se
encontram entre nós ). E para que conste, os restantes são Peter Hammill, John
Cale e Neil Young.
O CD1 aborda os primeiros anos
com Linda, 72/73. Gravações episódicas de palco e parte dos temas que
constituíram esse equívoco artístico que se chamou “The Bunch” e que colocou a
família Fairport Convention, Sandy Denny incluída, a recriar temas de rock and
roll.
O disco seguinte é preenchido
pelo brilhante “I Want To See The Bright Lights Tonight” a que acrescem 5 demos
ou versões alternativas. “Hokey Pokey” segue a linha cronológica; as novidades
residem na inclusão de uma versão ao vivo do tema título e uma demo de “A Heart
Needs a Home” onde o piano do Mighty Baby Ian Whiteman assume assinalável
delicadeza e protagonismo.
Relativamente a “Pour Down Like Silver” não haverá muito a acrescentar. É, a par de “I Want To See The Bright Lights Tonight” o disco mais inspirado do duo. As canções são superlativas e o habitual grupo de fiéis acompanhantes é agora reforçada por esse extraordinário baterista que dá pelo nome de Dave Mattacks. Dúvidas …? Escutem os temas extra deste CD4, em particular os 13 m e 24 s que dura a interpretação de “Calvary Cross” no palco do Oxford Polytechnic a 27 de Novembro de 1975 e tirem conclusões próprias. A prestação não é inédita, foi publicada em 1976 na compilação “Richard Thompson ( Guitar and Vocal)” mas, fruto do trabalho de remasterização, adquire aqui a sua versão definitiva.
A verdadeira surpresa, ou a
cereja no topo do bolo se preferirem, chega com o CD5 intitulado “A Madness of
Love”. Após terem vivido anos entre comunidades sufi, os Thompson regressaram
aos palcos. Os dez temas, captados entre 1975 e 1977 e aqui divulgados pela
primeira vez, encantam e hipnotizam em igual medida. Seis deles minimalistas:
guitarra acústica de Thompson e as vozes, simplesmente as vozes. “Never Again”,
“Dargai”, “Dark End of The Street” e “Beat the Retreat” brilham muito para além
do que já lhes conhecíamos. Os restantes títulos são na sua maioria sustentados
por ex- membros dos Mighty Baby, à época também eles membros activos da
comunidade sufi de Londres. A versão de “Night Comes In” é soberba e “Layla” (
nada a ver com a composição de Clapton ) assume subtil e rara beleza. Não fora
tudo o resto e que é muito, dir-se-ia que só este CD justificava a edição.
Os dois álbuns que menos consenso geram – “First Light” e “Sunnyvista” – e convenhamos mais desequilibrados, notoriamente o segundo, são aqui reeditados pela primeira vez. E se “First Light” tem os seus momentos: o tema homónimo, “Strange Affair”, “Pavanne” ou “Street Surrender”, já quanto a “Sunnyvista” não se nos passa pela cabeça contradizer Thompson quando na autobiografia se lhe referiu: “The wrong musicians, the wrong songs”.
A redenção essa, acabaria por
chegar já perto do final da carreira artística do duo, através de “Shoot Out
The Lights”. As gravações começaram em Londres em meados de 1980 com Gerry
Rafferty no papel de produtor. Porém a química entre os criadores e o produtor
não terá funcionado e após a conclusão das misturas os Thompson não autorizaram
a edição do álbum.
Dois anos volvidos o antigo “anjo
da guarda” surgiu de novo. Joe Boyd, velho conhecido do período pré e pós
Fairport Convention, soube da história, gostou das canções e ofereceu-se para
produzir novas gravações e publicar o resultado na sua editora, a Hannibal
Records. Um tiro certeiro e profissional como foi sempre apanágio de Boyd pois,
sendo “Shoot Out The Lights” o último testemunho da dupla Richard & Linda,
acaba por ser um dos seus legados mais felizes e consistentes.
Sintetizando, “Hard Luck Stories 1972-1982”, entre álbuns originais e as dezenas de bónus tracks, guarda tudo o que interessa escutar e saber sobre uma das duplas mais relevantes da música britânica no período em apreço.