Cheguei primeiro a Sandy
Denny, só depois aos Fairport
Convention. Aparentemente, uma
bizarria cronológica mas as fontes de conhecimento eram sobretudo as rádios, e
na época, as portuguesas já manifestavam as suas idiossincrasias.
Ao escutar pela primeira vez “John The Gun” e “Late November”,
ambos retirados ao álbum “The North Star Grassman and The Ravens”,
concluí que aquele talento e aquela voz
não podiam ser deste mundo. Como tal mereciam atenção e investigação condicentes.
Na Lisboa de 1972, a metrópole discográfica girava sobretudo em
torno do eixo Rua do Carmo / Rua Nova do Almada, com réplicas muito interessantes
para os lados da Avenida de Roma e bairro de Campo de Ourique. Porém, na Rua da
Victória, no quarteirão situado entre as ruas da Prata e dos Correeiros,
existia uma discreta loja de electrodomésticos … em cuja sub-cave se escondia
uma extraordinária discoteca. Um espaço tranquilo e acolhedor que visitava com
frequência, sempre que a curiosidade ordenava e a bolsa permitia.
Numa dessas incursões de final de tarde, já com o “trabalho
de casa” feito, fui directo ao separador do F, em demanda dos Fairport Convention. E lá estava “The
History of Fairport Convention”, embrulhado naquela magnífica
capa dupla concebida por Fabio Nicoli ( a árvore genealógica da banda representada
por caracteres antigos, a faixa de seda e o selo colados na frente e um belíssimo booklet de 12 páginas
agrafado ao interior ) que logo me encantou. Havia no entanto uma pequena
contrariedade, tratava-se de um duplo álbum; como tal bastante mais caro que o
normal.
Optei então por fazer aquilo que os miúdos sem pais ricos
faziam em circunstâncias semelhantes. Esperando melhores dias, mudei o disco de
bancada, intercalando-o no S, algures entre os Slade e os Sweet. Imaginei que ali
não corresse grande perigo de procura, a menos que alguém detectasse a marosca.
Tive sorte. Quando voltei no final do mês ainda lá estava, no mesmo sítio ( as
fotos aqui mostradas são dessa cópia, que ainda conservo ).
Toda esta
conversa a propósito de “A Tree With Roots, Fairport Convention and
Friends, and The Songs of Bob Dylan”. É que esta compilação abre com “Si Tu Dois Partir”( no
original “If you gotta go, go now”, escrito em 1965 mas só publicado por Dylan em 1991 nos Volumes 1-3 das Bootleg Series ) exactamente uma das performances
que mais me impressionou quando a escutei pela primeira vez em 1972.
‘The story goes that Fairport Convention was
playing a gig at the Middle Earth and thought it would be amusing to do Dylan's
song in French cajun style, so the band called for volunteers from the audience
to help with the translation. Richard Thompson: “About three people turned up,
so it was really written by committee, and consequently ended up not very
cajun, French or Dylan.” This version was first released as a single Si
Tu Dois Partir / Genesis Hall with Dave Swarbrick playing fiddle, Trevor Lucas triangle and Richard
accordion. The “percussion” break towards the end of the song is the sound of a
pile of chairs falling over.’ ( in Mainly Norfolk ).
Embora dezenas o tenham feito, ninguém canta Dylan como Dylan.
Considerando apenas dois critérios: um objectivo ( a história ) outro
subjectivo ( o gosto pessoal ), e
retirando os Byrds da equação, os Fairport Convention nas suas diferentes
metamorfoses compreendidas entre os anos
de 1967 e 1975, foram os que mais e melhor se aproximaram do espírito do bardo.
Ao longo do tempo, Ashley
Hutchings, Richard Thompson, Sandy Denny, Simon Nicol e mesmo Trevor Lucas, admitiram a influência que
Dylan e as suas canções tiveram no despoletar das respectivas carreiras.
Ashley por exemplo não poupa nos adjectivos quando recorda a
audição em 1968 de um acetato das The Basement
Tapes ( só publicadas por Dylan em 1975 ): “The honour of being allowed to hear these recordings. Of course, they were incredibly
rough, but this mattered not a jot. In fact, it added to the mystery. You must
remember the legend that surrounded the whole Big Pink experience only took
root much latter. We had only our imaginations to guide us. I think we would
have covered practically all the songs if it was solely up to us.”
Dylan ‘himself’
devolveria a cortesia uns anos volvidos: “Ashley
Hutchings is the single most important figure in English folk-rock. Before that
his group Fairport Convention recorded some of the best versions of my
unreleased songs. Listen to his bass playing on ‘Percy’s Song’ to hear how
great he is.”
E de facto “Percy’s Song” parece ter sido escrita para os
Fairport, em particular para a voz de Sandy
Denny. “It needs a
voice like Sandy’s to get the shades of emotion across, from moodiness to
compassion to outright fury. There’s not many singers can do that”. ( Simon Nicol ).
Mas para além de “Percy’s Song” ( aqui com Rick
Grech no órgão, numa performance gravada para o John Peel’s Top Gear de 6
Abril de 1969 ), “A Tree with Roots” acolhe um conjunto de 17 versões, parte
captada em palco e, por via disso, de qualidade áudio desigual; todavia
portentosas todas. Parte já publicadas, outras inéditas.
E é um prazer escutar de novo Ian Matthews e Judy Dyble em “Jack
O’Diamonds” e “Lay down your weary tune”, uma Sandy sublime em “I’ll keep it
with mine” ou “It ain’t me Babe”, um Trevor Lucas surpreendente em “George
Jackson e “Days of 49”, recordar a competência de músicos como Richard
Thompson, Jerry Donahue ou Dave Mattacks.
Ter tantos clássicos reunidos num único registo revela-se um
luxo e um privilégio a que não se pode ou deve ficar indiferente.