10/04/15

Beautify Junkyards "The beast shouted love"



Prévia declaração de interesses: sou um indefectível do Canterbury Sound!
Dito isto e muito embora o novo Beautify Junkyards não se esgote naquele, era difícil ficar-lhe indiferente. Como um bom vinho, “The beast shouted love”  não é de consumo imediato. Necessita de tempo para respirar. Carece de maturação e de um prudente distanciamento, porque é tudo menos óbvio ( ao contrário do anterior disco homónimo que, por ser constituído por versões, permitia uma mais rápida identificação com o ouvinte )  pois muitas das nuances estilísticas que sugere encontram-se  escondidas por detrás dos vários biombos sonoros.

Como num estimulante jogo de sombras, o desafio consiste em descobrir  as diferenças entre aquilo que  as canções aparentam e o que pretenderam ser verdadeiramente. Daí a importância da componente tempo.

Canterbury dizia; entre o pastoral e a electrónica, a  simplicidade e a sofisticação. E “Canterbury”, o tema, é isso mesmo, rural na essência, elaborado na forma, repleto de insinuações Caravan, colorido por aquelas teclas que nos habituámos a escutar em “Rock Bottom”.  A abrir “Sun Wheel  Ceremony” já havia dado o mote. O ADN Beautify Junkyards está lá atrás, radiante e optimista na celebração do sol e da terra,  subjacente nas 12 canções que fazem o disco.  “Rainbow Garland”  é uma escolha natural para  single; a dicotomia referida está presente de novo, hesitante entre o silencioso marulhar das águas e os ecos que se elevam da caixa de ritmos. River flows, river flows, across the way of stars…”, uma alegoria cósmica a “Over the Rainbow” e a Judy Garland?

“Pés na areia na terra do sol”, um dos três temas vocalizados em português, mantém o mar  por perto e desenha  uma melodia antiga, de cariz tradicional, remetendo para as subtilezas folk herdadas de “Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos” ou “Coisas do Arco da Velha”. “Lake” e “Rite of passage” permanecem fiéis à matriz folk, enquanto “Tomorrow’s children” e “Drop City” regressam a Canterbury e à sua muito particular forma de expressão psicadélica.

Poderá não passar de mera conjectura sem correspondência com a realidade mas a guitarra acústica e a voz em “Longo amanhã” como que recuam até “Venham mais cinco”, sugestão que poderá não ser totalmente desacertada tendo em conta que os Beautify Junkyards já trabalharam “Que o amor não me engana”.  Para o final, o instrumental “Technicolor Hexagon” projecta no écran de “The Beast Shouted Love” a sombra tutelar e sempre inspiradora de Ennio Morricone

Fruto equilibrado do conhecimento do passado e de um olhar singular sobre o presente, este  Beautify Junkyards levou-me até “Time itself”, uma criação de Marc Brierley para o sublime “Welcome to the Citadel”: “ … reading books and lightning fires / we are two make one / Time itself is fun …”.