Ao perscrutar a capa do vinil de “Yesterday Perhaps, Songs of The Kitchen Cynics”, retornam da memória aquelas fantásticas capas da velhinha Topic Records. Muita da história e tradição orais de Inglaterra, Gales e Escócia passaram pelo catálogo daquela editora independente, quando o significado da palavra encontrava similitude na prática. A música era ancestral, as interpretações austeras e os arranjos regra geral espartanos. Os discos eram porém quase sempre brilhantes.
Alan Davidson encarna na perfeição o espírito e o
legado do que atrás foi dito. Nas canções que escreve, na forma simples como as
veste, no design das edições, nas amizades que cultiva, inclusivé nas
fotografias que tira no acaso do quotidiano.
Sob o “nom de plume” de The
Kitchen Cynics, o autor escocês anda por aí há um quarto de século, num
culto alimentado boca a boca e do mais não se mostrando necessitado. As publicações,
maioritariamente privadas, são às dezenas. As canções às centenas.
Uma escassa dúzia foi agora recuperada e proposta a um
conjunto de amigos, entre os quais Pat Gubler ( P.G. Six ), Josephine Foster,
Tom Rapp, Adam Leonard, Sharron Kraus, Alasdair Roberts ou Kathleen Baird. Na
contracapa do álbum, Simon Lewis escreveu: ”focus
on local history, a sense of place and life’s small pleasures is the perfect
antidote for the chaos and confusion of modern day living”. E as canções de Alan Davidson são
isso mesmo. Simultaneamente novas e antigas ficam bem em qualquer voz ou
arranjo.
“Yesterday Perhaps” é um daqueles discos que quanto mais se
escuta mais se gosta. As prestações de Tom Rapp, P.G. Six , Adam Leonard e
Alasdair Roberts são tão aditivas quanto se esperaria. Mas para além delas,
Sharron Kraus trata com rara singeleza um tema difícil como “When father hanged
the children”; Major Matt Mason torna abrasivo um etéreo “She’s growing old
disgracefully” e até a voz habitualmente cinzenta de Josephine Foster brilha em
“Winter in her bones”, acompanhada por uma guitarra portuguesa que com ela
dialoga com discrição e parcimónia.
Mas, nestas coisas das canções, nada como escutar o próprio.
Daí “The
Orra Loon”. Espécie de Best of,
o álbum combina temas novos com versões de canções já anteriormente publicadas.
E é um prazer reencontrar “I am the orra loon”, “The place you hide” ou o
belíssimo “Richard of Bedlam”.
E é todo um conjunto de peças como “The Wilhemina Gabb” ( uma
melodia debruçada sobre uma tragédia marítima ) aqui sustentada por um piano
assombrado, “Flies” ( epitáfio para amigos que partiram demasiado cedo ),
“Now’s the time” um quadro familiar pincelado por uma cítara inspirada. A
terminar, “Me, Jack and Lee, and the ghost of Skip James” uma comovente
evocação de dois saudosos pioneiros: Jack Rose e Lee Jackson. Tivesse chegado
mais cedo e seria uma escolha óbvia para 2013.
“Wooden Bird” foi publicado em Itália em 2011 numa edição
limitada de 110 exemplares. Cada uma das capas foi fabricada manualmente e ostenta
um pássaro diferente, cortesia de Luigi
Falagario que os desenhou. Agora conheceu uma reedição em cd, “Wooden
Bird … plus” incluindo 7 temas
extra.
Equilibrado no seu conjunto, representa uma outra faceta do
“songwriting” de Davidson. Menos próxima da sonoridade folk, mais comprometida
com paisagens atmosféricas, telas preenchidas por uma guitarra que nos
transporta até aos primeiros acordes de Vini Reilly com os Durutti Column.
“Davy” foi pedida emprestada a Roy Harper e Robert Burns contribuiu com “Now
westlin’ winds”. Do conjunto dos temas
“plus” emergem “Vineger Tom” e “Tardy Lover”, destaques óbvios de um belíssimo naipe
de canções. À espera de serem devidamente apreciadas …