19/03/14

The Kitchen Cynics: "Yesterday Perhaps, Songs of The Kitchen Cynics", "The Orra Loon" e "Wooden Bird ... plus".



Ao perscrutar a capa do vinil de “Yesterday Perhaps, Songs of The Kitchen Cynics”,  retornam  da memória aquelas fantásticas capas da velhinha Topic Records. Muita da história e tradição orais de Inglaterra, Gales e Escócia passaram pelo catálogo daquela editora independente, quando o significado da palavra encontrava similitude na prática. A música era ancestral, as interpretações austeras e os arranjos regra geral espartanos. Os discos eram porém quase sempre brilhantes.
Alan Davidson encarna na perfeição o espírito e o legado do que atrás foi dito. Nas canções que escreve, na forma simples como as veste, no design das edições, nas amizades que cultiva, inclusivé nas fotografias que tira no acaso do quotidiano.

Sob o “nom de plume” de The Kitchen Cynics, o autor escocês anda por aí há um quarto de século, num culto alimentado boca a boca e do mais não se mostrando necessitado. As publicações, maioritariamente privadas, são às dezenas. As canções às centenas.
Uma escassa dúzia foi agora recuperada e proposta a um conjunto de amigos, entre os quais Pat Gubler ( P.G. Six ), Josephine Foster, Tom Rapp, Adam Leonard, Sharron Kraus, Alasdair Roberts ou Kathleen Baird. Na contracapa do álbum, Simon Lewis escreveu: ”focus on local history, a sense of place and life’s small pleasures is the perfect antidote for the chaos and confusion of modern day living”. E as canções de Alan Davidson são isso mesmo. Simultaneamente novas e antigas ficam bem em qualquer voz ou arranjo.
 

Yesterday Perhaps” é um daqueles discos que quanto mais se escuta mais se gosta. As prestações de Tom Rapp, P.G. Six , Adam Leonard e Alasdair Roberts são tão aditivas quanto se esperaria. Mas para além delas, Sharron Kraus trata com rara singeleza um tema difícil como “When father hanged the children”; Major Matt Mason torna abrasivo um etéreo “She’s growing old disgracefully” e até a voz habitualmente cinzenta de Josephine Foster brilha em “Winter in her bones”, acompanhada por uma guitarra portuguesa que com ela dialoga com discrição e parcimónia.
Mas, nestas coisas das canções, nada como escutar o próprio. Daí “The Orra Loon”.  Espécie de Best of, o álbum combina temas novos com versões de canções já anteriormente publicadas. E é um prazer reencontrar “I am the orra loon”, “The place you hide” ou o belíssimo “Richard of Bedlam”.

E é todo um conjunto de peças como “The Wilhemina Gabb” ( uma melodia debruçada sobre uma tragédia marítima ) aqui sustentada por um piano assombrado, “Flies” ( epitáfio para amigos que partiram demasiado cedo ), “Now’s the time” um quadro familiar pincelado por uma cítara inspirada. A terminar, “Me, Jack and Lee, and the ghost of Skip James” uma comovente evocação de dois saudosos pioneiros: Jack Rose e Lee Jackson. Tivesse chegado mais cedo e seria uma escolha óbvia para 2013.

Wooden Bird” foi publicado em Itália em 2011 numa edição limitada de 110 exemplares. Cada uma das capas foi fabricada manualmente e ostenta um pássaro diferente, cortesia de Luigi  Falagario que os desenhou. Agora conheceu uma reedição em cd, “Wooden Bird … plus incluindo 7 temas extra.
Equilibrado no seu conjunto, representa uma outra faceta do “songwriting” de Davidson. Menos próxima da sonoridade folk, mais comprometida com paisagens atmosféricas, telas preenchidas por uma guitarra que nos transporta até aos primeiros acordes de Vini Reilly com os Durutti Column. “Davy” foi pedida emprestada a Roy Harper e Robert Burns contribuiu com “Now westlin’ winds”.  Do conjunto dos temas “plus” emergem “Vineger Tom” e “Tardy Lover”, destaques óbvios de um belíssimo naipe de canções. À espera de serem devidamente apreciadas …