30/04/12

Mark Lanegan "Blues Funeral"


Ter feito parte da cena de Seattle com os Screeming Trees, ter gravado 7 álbuns a solo, integrado os Queens of the Stone Age, Gutter Twins, Twilight Singers,  Soulsavors e ter  co-publicado 3 cds com Isobel Campbell, entre muitas outras coisas, deviam garantir a Mark Lanegan um lugar não só no rodapé mas no corpo da história da música contemporânea. E no entanto este “true maverick” continua a movimentar-se nas margens do “mainstream” e não é seguro que a sua extraordinária voz e as suas canções angulares repletas de arestas e alguma amargura cheguem aos que mais delas precisam.

Escuto “Blues Funeral”, escrevo estas linhas e recordo as cenas patéticas dos mais recentes  Óscars em Hollywood. A América do faz de conta, um mundo que não existe para além de uns rolos de passadeiras vermelhas e glamour encomendado a metro. Mark Lanegan habita outro planeta, fala da dura realidade – Springsteen chamou-lhe “We take care of our own” ; um mundo que só abre telejornais quando alguém já em desespero utiliza a última cartada que lhe resta, a violência. Procurem nas personagens de Cormac McCarty ou mergulhem na ficção de Philipp Meyer (“Ferrugem Americana”) e encontrarão aí, nua e crua, a América que alimenta a veia criativa de Lanegan. A deslocalização das indústrias, a morte das fábricas, o alastrar da chaga do desemprego, a desestruturação das famílias, o florescer da marginalidade.

Por norma Lanegan não faz prisioneiros. “Blues Funeral” mantém a tradição mas vai ainda mais longe. É um trabalho lúcido, alicerçado na tristeza amarga de uma realidade indisfarçável. Exemplos? Foquem-se nos títulos das canções: “The Gravedigger’s Song”, “St Louis Elegy”, “Riot in my house”, “Quiver Syndrome”, “Bleeding Muddy Water”, “Gray goes black” …

E no entanto “Blues Funeral” toca-nos no lugar mais recôndito da alma, cola-se-nos à pele como se não houvesse amanhã e cresce à medida que o respiramos.  Afloram à memória almas gémeas como PJ Harvey ou Patti Smith; a atmosfera transpira o som arquétipo dos  álbuns anteriores do autor: roqueiros/riffeiros. Há no entanto uma inflexão nada inocente em direcção ao krautrock (“Ode to sad disco”), a qual ainda que residual, não deixa de ser significativa pelo paralelismo que estabelece com o passado.

Comecem por escutar “Quiver Syndrome”. Depois dele, todos os restantes títulos vos parecerão inócuos. Um disco enorme!