Ter feito parte da cena de Seattle com os Screeming Trees,
ter gravado 7 álbuns a solo, integrado os Queens of the Stone Age, Gutter
Twins, Twilight Singers, Soulsavors e
ter co-publicado 3 cds com Isobel
Campbell, entre muitas outras coisas, deviam garantir a Mark Lanegan um lugar não só no rodapé mas no corpo da história da
música contemporânea. E no entanto este “true maverick” continua a
movimentar-se nas margens do “mainstream” e não é seguro que a sua
extraordinária voz e as suas canções angulares repletas de arestas e alguma
amargura cheguem aos que mais delas precisam.
Escuto “Blues Funeral”, escrevo estas linhas
e recordo as cenas patéticas dos mais recentes Óscars em Hollywood. A América do faz de
conta, um mundo que não existe para além de uns rolos de passadeiras vermelhas
e glamour encomendado a metro. Mark Lanegan habita outro planeta, fala da dura realidade
– Springsteen chamou-lhe “We take care of our own” ; um mundo que só abre
telejornais quando alguém já em desespero utiliza a última cartada que lhe
resta, a violência. Procurem nas personagens de Cormac McCarty ou mergulhem na
ficção de Philipp Meyer (“Ferrugem Americana”) e encontrarão aí, nua e crua, a
América que alimenta a veia criativa de Lanegan. A deslocalização das indústrias,
a morte das fábricas, o alastrar da chaga do desemprego, a desestruturação das
famílias, o florescer da marginalidade.
Por norma Lanegan não faz prisioneiros. “Blues Funeral” mantém a
tradição mas vai ainda mais longe. É um trabalho lúcido, alicerçado na tristeza
amarga de uma realidade indisfarçável. Exemplos? Foquem-se nos títulos das
canções: “The Gravedigger’s Song”, “St Louis Elegy”, “Riot in my house”,
“Quiver Syndrome”, “Bleeding Muddy Water”, “Gray goes black” …
E no entanto “Blues Funeral” toca-nos no lugar
mais recôndito da alma, cola-se-nos à pele como se não houvesse amanhã e cresce
à medida que o respiramos. Afloram à
memória almas gémeas como PJ Harvey ou Patti Smith; a atmosfera transpira o som
arquétipo dos álbuns anteriores do autor:
roqueiros/riffeiros. Há no entanto uma inflexão nada inocente em direcção ao
krautrock (“Ode to sad disco”), a qual ainda que residual, não deixa de ser significativa
pelo paralelismo que estabelece com o passado.
Comecem por escutar “Quiver Syndrome”. Depois dele, todos os
restantes títulos vos parecerão inócuos. Um disco enorme!