20/01/10

Philippe Garnier "Freelance, Grover Lewis à Rolling Stone"


Os textos que Philippe Garnier publicou na revista Rock & Folk entre 1976 e 1984 contribuíram para mudar a minha vida.

Se alguém, aparentemente com a mesma facilidade com que respira, escreve várias e absorventes páginas sobre temas tão diversos como: filmes de Série B, as estradas da Califórnia, o romance negro ( Dashiell Hammett, John Fante, James Cain, William Burnett ), a máfia, Patti Smith, X, Punk, Wall of Voodoo, Hollywood ( Coppola, Ford, Capra, Dirty Harry, Peckinpah, Burt Lancaster, Mitchum, Bogart ), Cramps, J. J. Cale, Plimsouls, Montana e os seus escritores ( McGuane, Rick Bass, Richard Brautigan ou Jim Harrison, este muito antes de Anthony Hopkins e Bradd Pitt terem ajudado a fazer do seu “Legends of the fall” um sucesso )…., então eu também deveria investir o meu tempo na pesquisa, conhecimento e divulgação daqueles temas, ainda que no caso fosse óbvia a ausência daquele ”pequeno detalhe” que dizem ser importante nestas coisas: talento.

(Philippe Garnier)

Garnier deixaria o Rock & Folk quando a linha editorial, eventualmente condicionada pela ausência de matéria prima de qualidade, começou a tergiversar. Continuei a segui-lo. No Libération, Les Inrockuptibles e, mais tarde, nos periódicos de Los Angeles. Raramente me desiludiu. São significativas e habitualmente certificado de garantia as traduções que efectuou de obras de escritores como John Fante, James Crumley, Bukowski, James Salter ou Chris Offutt .

Porém, verdadeiramente obrigatórios, expoentes do melhor jornalismo cultural gaulês, são os livros que foi publicando ao longo do tempo. “Goodis, la vie en noir et blanc”, um ensaio sobre o romancista David Goodis; “Maquis”, uma lenta e apaixonante travessia das paisagens interiores da América, com paragens para visitas guiadas ao universo de autores como Rick Bass, Larry Brown ou Dan O’Brien; “Honi soit qui Malibu” , o regresso às obras , aos scripts e às histórias de William Burnett, James Cain ou Horace McCoy; “Les coins coupés” uma alegoria ao rock americano e ao circo que o rodeia, onde a subtileza do título ( “Cut corner” habitualmente caracteriza uma edição de vinil que foi descontinuada, um dos cantos da capa é cortada pela editora antes dos exemplares seguirem para o distribuidor ) remete directamente para o passado recente da música em suporte de vinil.



Em 2009 Garnier regressou ao nosso léxico. O motivo chamou-se “Freelance, Grover Lewis à Rolling Stone”. Um livro repleto de episódios e histórias deliciosas, no qual presta homenagem ao mentor e amigo Grover Lewis ( 1935 – 1995 ).

Este, uma personagem intensa, complexa e desalinhada, foi jornalista freelancer , actor demasiado fugaz, míope, filho de pais suicidas que em tempos frequentaram o “inner circle” de Bonnie e Clyde, casado aos 19 anos “deixando casamento e filhos para trás como garrafas vazias pelos passeios”. Era originário de Forth Worth, Texas, uma cidade e um estado demasiado acanhados e conservadores para a iconoclastia de um “maverick” como Lewis.

(Grover Lewis)

Como frequentador convicto das margens, a sua ligação à Rolling Stone em 1971 surgiu quase naturalmente. À data, o periódico fundado por Jann Wenner, apesar de Altamont, ainda se movimentava no underground, onde se manteve durante mais um par de anos. O abandono de Lewis em 1973 pode nada ter a ver com o facto, mas a especulação é legítima.

Ao longo de 440 páginas “Freelance” narra a história de Lewis e conta suculentos e inenarráveis episódios jornalísticos. Sejam eles acerca de Paul Newman, Lightnin Hopkins, Allman Brothers, Jack Nicholson , Peckinpah, Robert Mitchum ou sobre a sua turbulenta participação no filme “The last picture show” de Peter Bogdanovish .

Porém, como em tudo, nada melhor do que ouvir o autor: