Por vezes, as repetidas escutas quase nos fazem esquecer a qualidade de uma canção. “Calvary Cross” é um desses casos. A versão “garage-folk” que os Black Flowers praticam do tema de Richard Thompson como que nos faz descer à terra e olhar a canção na sua verdadeira dimensão, não tanto pela imagem que o hábito e a memória moldaram. Sublime o original. Absolutamente velvetiana a versão.
A referência do Atalho aos Black Flowers surge na sequência da abordagem anterior aos Trembling Bells. Os nomes de Alex Neilson e Lavinia Blackwall são comuns aos dois projectos, sendo que aqui Alasdair Roberts é membro permanente, um pormaior que faz toda a diferença. A guitarra cavernosa na canção de Thompson é a prova acabada disso mesmo.
Mas para além de “Calvary Cross” há “Polly on the shore”, esta também numa versão mais radical - relativamente ao tradicional que conhecemos aos Trees em “On the shore”, aos Fairport em “Nine” ou a Martin Carthy em “Prince Heathen” -, embora não menos essencial. O órgão de Lavinia é um verdadeiro achado e o solo de guitarra é de antologia.
“Hot crosses” enquadra-se nas prestações experimentais de Alex Neilson. Por seu lado “And the words fell like malting blossom” remete-nos para as vocalizações atonais que David Crosby inventou em “I’d swear there was somebody here”, o título que encerra o legendário “If I could only remember my name”. A terminar, “Sweet rivers of redeeming love” regressa à harmonia melódica da canção folk tradicional e são curtos os seus 4m 11s para tanta beleza e simplicidade.
“I grew from a stone to a statue” é um disco essencial para quem apreciou “Carbeth”, ainda que o seu ADN seja algo diverso. Depois de dois trabalhos com esta dimensão, mal podemos esperar pelo próximo Trembling Bells, apontado para a primavera.
Nota: o artwork criado para a capa do Cd e aqui reproduzido é da autoria de Lavinia Blackwall.