27/10/09

Manassas "Pieces"


O facto de “Manassas”, um dos mais extraordinários trabalhos a emergir da música americana no inicio dos anos 70, permanecer uma semi-obscuridade para as gerações que não lhe foram contemporâneas, constitui um enigma difícil de entender. Tanto mais incompreensível quanto se sabe ter sido nele que legiões de músicos americanos se inspiraram, desde Nashville nos anos 80 até tempos mais recentes : Uncle Tupelo, Lambchop, My Morning Jacket, Black Mountain, Vetiver, Monsters of Folk, etc.

Manassas” nasceu quase por acaso, como por vezes acontece com os grandes discos. Em 1971, Stephen Stills um instrumentista dotado e compositor de mérito, vivia asfixiado com as constantes birras de Neil Young. Por outro lado as cenas hippies de Crosby e Nash também não lhe diziam muito. Grosso modo, as relações dentro dos Crosby, Stills, Nash & Young tinham chegado a um ponto de não retorno.

( reconstituição da batalha em Manassas, "Gods and Generals", 2003 )

Daí que quando um dia se cruzou com Chris Hillman ( cujos Flying Burrito Brothers agonizavam ), a ideia de trabalharem em conjunto surgiu naturalmente. O ex-Byrds trouxe Al Perkins e Byron Berline e Stills propôs os velhos compadres Paul Harris, Calvin Samuels, Dallas Taylor e Joe Lala. Todos instrumentistas fora do comum, formaram um grupo orgânico muito difícil de bater e que se expressava com o mesmo à vontade no blues, no rock, no bluegrass e na música latina.

Ao fim de um ano, entre Miami e Surrey/Inglaterra, tinham criado e gravado 21 temas, o suficiente para um duplo álbum – “it was probably a mistake to release a double album, but what the heck, everybody was doing it” (S. Stills). Só faltava um nome para a banda.

Um obcecado pela Guerra de Secessão, Stills conduziu o grupo até à Virginia e fê-lo fotografar numa velha estação ferroviária, perto do local onde a Confederação reclamou a primeira grande vitória contra a União em Bull Run. A foto mostrava os sete músicos no apeadeiro da velha gare, por baixo de um enorme letreiro onde estava escrito “MANASSAS” ( “That’s how things happened back then and shit worked all the time. For no apparent reason! And now they spend hundreds of thousands of dollars on focus groups and research on stuff that we just went out and did”)

Manassas” saiu na primavera de 72. É provavelmente o melhor disco em que Stephen Stills esteve envolvido e, apesar de ter sido bem acolhido, nunca recebeu o reconhecimento que os seus méritos e influência futura justificavam. Até hoje.

A recente publicação de “Pieces” prenuncia a chegada do reconhecimento para Manassas. Constituído por outtakes das sessões de 71, “Pieces” não é de modo nenhum obrigatório para aqueles que já conhecem o duplo álbum ou para quem seja compelido a fazer opções.

Não obstante, transmite a atmosfera criativa que se respirava nas sessões e proporciona a descoberta daquilo que foi a génese de canções como “Lies”, “Pensamiento” ou “Do you remember the Americans” (mais tarde incluídas em “Down the road”, o segundo Manassas ), avaliar a forma como Stills olhava para temas já publicados como “Sugar Babe” e “World game” ( ambos de “Stephen Stills 2” ) ou escutar pela primeira vez “Like a Fox” ou “I am a brother”, dois títulos que seriam certamente primeiras escolhas para muitos músicos. O facto de terem ficado de fora do alinhamento dos álbuns de Stills diz muito, quase tudo, sobre o talento deste.

Para além de tudo isto, “Pieces” mostra também que grande parte do passado continua por escavar. Algo que é necessário ir fazendo para melhor compreender o presente.