08/10/09

Jardins do Paraiso XVI ( Julian Cope )


Há anos que paira sobre Julian Cope um anátema insidioso, preconceituoso. Em síntese, afirma-se que estamos na presença de uma personagem consumida pela droga, um excêntrico que se interessa e dedica a causas marginais e sem janela para o sucesso.

Substâncias, cada qual escolhe as suas e quanto a causas, no estado de letargia colectiva em que vivemos, qualquer uma é bem-vinda. Por mim, para além de polémicas laterais, Julian Cope será sempre recordado como o criador de dois dos mais perfeitos álbuns que a música britânica conheceu nos anos 80: “World shut up your mouth” e “Fried”. Para além disso, o que já não seria pouco, o compositor galês é um dos grandes responsáveis pela divulgação de fenómenos artísticos como o “krautrock” alemão ou o “psych rock” nipónico. Os seus livros “KrautrockSampler” (1995) e “JaprockSampler” (2007) são dos melhores ensaios que se escreveram sobre aqueles temas.

Tanto crédito gerou naturalmente uma considerável margem de tolerância. Aos meus olhos Cope podia falhar. Fê-lo algumas vezes. Mas no grosso das situações esteve para além do expectável, como em “Saint Julian” ou no recentemente reeditado “Peggy Suicide”.

Espécie de Manifesto onde os principais tópicos são a ecologia, a política e os costumes, “Peggy Suicide” ( alegoria inventada por Cope para retratar a natureza ) é uma obra panfletária que reage sobretudo aos anos de chumbo do Tatcherismo. Libertário nos temas, o álbum (originariamente duplo) mantinha intacta a veia psicadélica do autor, mas surpreendeu ao abrir janelas para o “soul” e para o “funk”.



Logo a abrir, “Peggy Suicide” diz ao que vem, através de um “Pristeen” singular, uma cápsula perfeita de “psych” e “drone”. Adiante, após o mini road movie ecológico que é “East Easy Rider”, “Promised Land” é o retrato de um passeio pelos trilhos interiores da Inglaterra de Tatcher; musicalmente os parâmetros situam-se entre Springsteen e os The Sound. O resultado é sublime.

“Hanging out & Hung up on the line” é, segundo o autor, uma “psychic driving song”; outros recordarão os Teardrop Explodes abrasivos e em altíssima rotação. Colocados no inicio do lado B do disco original, os 8 minutos de “Safesurfer” constituem uma obra-prima. O leitmotiv é o vírus do HIV mas, apesar de toda a carga dramática associada, o tema ostenta aquela velha elegância ostentada por Ian Hunter, sempre que se sentava ao piano e tocava as baladas que escreveu para os primeiros Mott the Hoople.

Mais adiante “Drive, she said” é puro Velvet Underground num texto acutilante (“driving is cool, if you want to be uncool, walk or use public transports”). “Soldier Blue” e “Western Front 1992 CE” alinham por parâmetros similares. Por sua vez e a terminar “las Vegas Basement” será o “When the music’s over” segundo Julian Cope; a tal ponto que a certa altura damos por nós à espera de ouvir a voz teatral de Jim Morrison vociferar “… What have we done to the Earth?...” ou, no caso vertente, “What have we done to Peggy Suicide?”.



A cada um a sua obra-prima. Para o Atalho “World shut up your mouth” e, em menor grau “Fried”, são inultrapassáveis. “Peggy Suicide” não é uma obra uniforme, porém integra peças notáveis. Oportunos retratos de época da sociedade inglesa, nada despiciendos quando encarados numa perspectiva histórica. Daí a convicta e consistente adesão dos fãs.

Quanto aos extras da reedição ( todo o CD 2), um desabafo: “não havia necessidade”. A remasterização dos cerca de 76 minutos de duração do duplo álbum original era mais do que suficiente.