Lazarus é um “nom de plume” utilizado por Trevor Montgomery. Artista, músico, cidadão de São Francisco, Montgomery integrou até 2001 a formação do colectivo “space-psych” Tarentel bem como o projecto The Drift depois disso. Actualmente reparte o tempo entre Lazarus e os Red Leaf Black Bird, a meias com Kelly Nyland.
Relativamente a Lazarus, após um par de cds muito interessantes para a Temporary Residence, Montgomery acaba de publicar “Trickster” numa edição limitada de 300 exemplares em vinil castanho marmoreado cujas capas são manualmente elaboradas pelo próprio ( o meu exemplar está envolto numa capa de cartolina pintada como uma aguarela e tem colado na parte da frente um desenho que reproduz um animal com corpo de corvo e a cabeça de coiote ).
Só a futura raridade da edição bastaria para a referenciar. Porém a música, textos e respectiva interpretação são factores de interesse adicional num “Trickster” que desafia e prolonga a atmosfera “campfire songs” que Lazarus já havia experimentado em 2007 com “Hawk medicine”.
Numa opção instrumental lo-fi e fazendo uso de uma tonalidade vocal que remete para o velho “Candleland” de Ian McCulloch, Montgomery como que senta em redor da fogueira do acampamento as personagens e os fantasmas de Nick Cave, Edgar Lee Masters, Jim Jarmush, David Eugene Edwards, Emily Dickinson, Spain ou Bukowski.
Como resultado, repartido entre o lado “Crow” e o lado “Coyote” ( é indiferente por onde se começa), “Trickster” é um registo simples na construção e arranjos, mas de enorme densidade no que aos temas respeita.
Os demónios habitam o quotidiano e o espaço do autor (“I have the devil’s names scratched on my door”). Lamentos dilacerantes (“Oh Lord, what’s wrong with me, i can’t stop drinking”) são enquadrados por baixos catatónicos e guitarras em feed-back; enquanto a redenção surge associada ao sofrimento (“magic comes easy, when pain is your friend”) como em muitas liturgias que conhecemos.
Estamos perante um disco espesso que exige muito de quem o escuta (“like fever, like blood”) mas que convoca à esperança (“I will let you live”) e aponta as saídas possíveis.
Num mundo que se preocupa tanto em estimar os talentos de Andrew Bird ou Bon Iver, seria útil que quem tem obrigação de o fazer se preocupasse em escavar até chegar também aos muitos Lazarus que o subsolo esconde.