No passado mês de Março, não fora esta miserável crise para onde todos fomos arrastados por um grupo de peralvilhos sem ética nem escrúpulos, quase se poderia afirmar que vivemos num mundo perfeito. É que, dois álbuns dos Green Pajamas – “Hidden minutes” e “Poison in the Russian room” – publicados quase em simultâneo, só num mundo assim.
Jeff Kelly é um compositor prolífero. Em duas décadas, tem publicadas cerca de 400 canções. Quanto às restantes, de quando em vez, sente necessidade de compilar aquelas que por uma razão ou por outra foram ficando de fora do alinhamento dos álbuns. Aconteceu com “Narcotic Kisses” em 2002, volta a suceder agora com “Hidden minutes”.
“Left offs” são “left offs”, ponto final. Porém depois de escutar “Hidden minutes” apetece perguntar por que razão Jeff Kelly foi deixando cair canções como “Claire’s Knew”, “Valerie Rose”, “Lady of Spain”, “Please come home” ou “Maybe it is not too late”? Só me ocorre uma explicação e essa passa pela abundância e qualidade do songbook do compositor de Seattle.
“Hidden Minutes” ( disponível apenas em vinil ) será porventura depois de “Strung behind the Sun” e “Narcotic Kisses” um dos discos mais melódicos dos Pajamas. Na essência quase uma compilação de singles que, insisto, se vivêssemos num universo perfeito deveriam ser presença constante nas ondas da rádio.
Como acontece com 90% dos trabalhos dos Green Pajamas, o design da capa é da autoria da pintora Susanne Kelly ( http://www.susannekelly.com/ ) e desta vez inspira-se em “Alice in Wondeland” de Lewis Carroll, que de resto Jeff revisita no tema “Between yourself and me”.
Em “The lonesome end of the lake”, “Poison in the Russian room” abre com um riff de guitarra absolutamente incendiário, vicioso, suportado pelo groove que se eleva em espiral do baixo de Joe Ross. São 3m 25s de rock puro e duro como não se conhecia aos Green Pajamas e que ou muito me engano ou virá a ser tema de abertura obrigatório em futuros concertos.
Um “killer moment” que se irá repetir ( embora com menor amplitude ) em “This angel’s on fire”, duas “anomalias” que no entanto não são suficientes para colocar em risco o paradigma sonoro do grupo. A maioria das restantes 14 canções regressa à quadratura “Beatles / Kevin Ayers / Go-Betweens / Olivia Tremor Control” ( são possíveis outras combinações ) e aqui e ali detectam-se ainda algumas inovações.
Como em “Suicide Subways”, escrito e interpretado por Eric Lichter, certamente depois de ter escutado um velho disco de Lloyd Cole com os Commotions; ou no magnífico “The sinner in my soul” onde Jeff Kelly estranhamente evoca as paisagens despojadas do Sul interior e cuja melodia, guitarra e voz remetem para os hinos ao desértico Arizona que Rich Hopkins ( num registo diferente, outro herói do Atalho ) periodicamente insiste em inventar.
Quanto ao resto, “Poison in the Russian room” com o subtítulo “In search of the elusive Fairy Queen and some pleasure unknown” ( a capa reproduz uma fotografia de Evelyn Nesbit, uma corista/modelo famosa nos EUA do inicio do século XX , cuja vida poderia inspirar vários argumentos cinematográficos), é mais uma consistente colectânea de canções , na maioria criações de Jeff Kelly cujo talento, só por distracção e comprovado mau gosto pode continuar a ser ignorado por todos aqueles que têm obrigação de o divulgar.