16/10/08

Chris Wilson "Second life"


No espaço onde se encaixam o garage-rock e o power pop, Flamin Groovies e Barracudas são duas das bandas mais apreciadas aqui no Atalho. Os Groovies, enquadrados na década de 70 ( embora com duas abordagens antagónicas, na forma e no tempo ); colorindo o arranque dos 80’s, os Barracudas.

De modo similar, os dois grupos cultivavam aquela imagem/atitude a que os franceses gostam de chamar “bordélique” e que no caso, tanto podia vestir a roupagem do “biker” que se move perto das fronteiras delinquentes de um gang, como a de um “surfer”, cantarolando “I wish it could be 1965 again” na crista de uma onda.

O verdadeiro elo de ligação entre os dois projectos foi contudo a presença do guitarrista Chris Wilson.

Natural de Boston, apenas com 17 anos, Wilson viu-se integrado nos Loose Gravel. Um conjunto de “desperados” tão efémero quanto mítico, posto de pé por Mike Wilhelm depois do fim dos californianos Charlatans. Existem relatos de participações em concertos, mas não é conhecida a intervenção de Chris Wilson nos poucos temas que os Loose Gravel registaram em estúdio.



( Loose Gravel 1970 )

Em 1972 foi desafiado a substituir Roy Loney nos Flamin Groovies. O grupo mudou-se de São Francisco para Londres e, entre 1976 e 1979, já entregue aos cuidados do produtor Dave Edmunds, gravou para a Sire três dos álbuns que melhor se movimentam nas margens do garage-rock e do power-pop: “Shake some action”, “Now” e “Jumpin in the night”. À época, o rolo compressor do punk contribuiu para o empalidecer da estrela dos Groovies. Wilson abandonou e submergiu.

Reaparecerá em 1983 na formação vintage dos Barracudas, cujos primeiros dois álbuns, “Mean time” e “Endeavour to persevere”, trataram de forma exemplar o garage rock and roll, o punk-rock, o mersey beat e o folk-rock psicadélico.

Depois da intervenção no mosaico sonoro dos Barracudas, Wilson integrou os Fortunate Sons, banda sem brilho nem história para contar. Os anos 90 foram passados entre Londres, Paris, Madrid e São Francisco. Concertos avulso com Barracudas, projectos a solo, colaborações com os Kingsnakes de Zé Moita, os Sneetches ou Kim Fowley. Depois o silêncio, aqui e ali interrompido pelas tentativas de recuperar os Groovies.


( Flamin Groovies 1976 )

Até Setembro passado, momento em que respaldado nos Shameless Pickups, Chris Wilson publica “Second life” em edição privada, um trabalho premonitório de um músico que merece uma outra oportunidade.

Second life” é de outro tempo. As canções começam como deve ser; com um riff. São tricotadas por solos de guitarra, ora frenéticos ora preguiçosos, consoante Wilson e o “compadre” Anthony Clark sentem a necessidade de incendiar ou serenar o discurso.

“All the action”, “Shake that feeling”, “Set free” e “Blaze away” aceleram em direcção à estratosfera. “Sweet deceit” , “Never love again” ( título já publicado no álbum “Chris Wilson & The Sneetches”, aqui numa versão refém da sacarina ) e “Not for real” reduzem o índice de partículas abrasivas. “Second life”, a canção, remete-nos para Laurel Canyon 1970 e para as cordas da guitarra acústica de Stephen Stills.


( Barracudas 1983 )

Ao contrário do que é hábito em Chris Wilson, não são os Stones ou os Byrds as referências utilizadas para ancorar esta colectânea de canções. Dylan foi desta vez o escolhido e “Visions of Johanna” acenta como uma luva em “Second life”.

Não arriscarei muito se disser que, nos tempos que correm, este registo tal como foi concebido e acabado nunca poderá ser um sucesso . Será escutado apenas pelos fãs e por duas dúzias de curiosos. Para além destes, só os músicos para quem a arte de tocar guitarra não constitui uma ciência exacta se interessarão por estas músicas. Foi a pensar neles que escrevi estas linhas.