01/07/08

Jardins do Paraíso II ( David Crosby )


Toda a gente tem um disco preferido, o chamado álbum da ilha deserta. O meu, desde sempre, chama-se “If I could only remember my name” e foi assinado por David Crosby.

Provavelmente um dos cinco discos menos consensuais da história do rock, o registo que Crosby fez publicar em Maio de 1971 permanece, 37 anos depois, no que à música e atitude diz respeito, como o paradigma dos ideais e da contracultura hippie da costa-oeste dos finais da década de 60, inicio de 70. Uma opinião, dirão alguns. Pois. Exactamente por nunca ter reunido o mínimo consenso, este disco é tão incontornável quanto apaixonante.

Quando Crosby decidiu começar a coleccionar “takes” tendo em vista o seu primeiro álbum a solo, corria o Outono de 1970. O sonho hippie desvanecera. Os acontecimentos em Altamont e Ohio tinham deixado marcas. A namorada tinha encontrado a morte num acidente de viação, meses antes. As habituais guerras de egos entre Neil Young e Steve Stills estavam ao rubro no CSN & Y. Crosby vivia no barco numa marina, mas estava longe de se encontrar em paz consigo mesmo. A auto-destruição, tão característica nas rock stars da época, rondava como uma sombra. O disco nunca poderia pois ter uma génese normal.



As noites do Outono e Inverno de 70 foram passadas num estúdio na Hyde Street em São Francisco. Consoante a agenda de gravações ou a disponibilidade, apareciam Graham Nash, Neil Young, Phil Lesh, Bill Kreutzann, David Freiberg, Mickey Hart, Paul Kantner, Michael Shrieve, Jerry Garcia, Jack Casady, Jorma Kaukonen, Grace Slick,, Greg Rollie, Joni Mitchell ... À data, Crosby teve em estúdio, ao seu dispor, uma banda de suporte verdadeiramente notável que mais ninguém conseguiu reunir, antes ou depois.

Claro que tais personagens trouxeram um “apport” musical e instrumental absolutamente excepcional, facto que adicionado à original e nada ortodoxa veia criativa de Crosby, contribuiu para a criação de um disco extraordinário e sem paralelo.

Misto de “jam-session” e colectânea de melodias perfeitas, “If I could only remember my name”, soa como se o engenheiro de som Stephan Barncard, noite após noite, colocasse as fitas de gravação a correr e fosse para casa, deixando aos músicos a responsabilidade de carregarem no botão do stop, lá pela madrugada.



“Music is love”, “Cowboy movie” ( com um Garcia absolutamente enorme, ao nível de “Dark Star”), “What are their names”, “Tamalpais High (At about 3)” são tudo menos composições de um singer-songwriter típico que Crosby nunca foi. Nasceram do acaso, ao sabor preguiçoso da improvisação.

“Orleans” é Crosby, voz e guitarra acústica, num tema inspirado numa canção infantil francesa. A curta letra gravita em volta do nome de um par de catedrais de França. “Song with no words (Tree with no leaves)” e “Traction in the rain” reflectem a harmonia cósmica vivida naquele estúdio e alimentam uma tese corrente que sustenta que as melhores prestações de Jerry Garcia e Phil Lesh tiveram lugar fora dos Grateful Dead.

“Laughing” , a canção mais perfeita que Crosby escreveu, é enriquecida por um inesquecível solo da “slide-guitar” de Garcia que quase faz chorar as pedras da calçada, depois do caminho aberto pelas celestiais harmonias vocais, cortesia de Joni Mitchell. A experiência mais radical, “I’d swear there was somebody here” foi gravada em 13 minutos. Apenas a voz de Crosby acappella e uma câmara de eco. O resultado é um canto gregoriano versão “west-coast acid rock”.

Um disco tão notável ontem como hoje. Irrepetível, sempre.