12/08/20

Patti Smith "O ano do macaco"



“Últimos dias de Agosto com o Sam no Kentucky. Tínhamos estado a trabalhar toda a noite. À hora do crepúsculo, voltei a sair para uma pequena pausa …

O Sam olha para cima na minha direcção, quando volto a casa; regressamos de imediato ao trabalho. Estamos a primeira revisão de um manuscrito recente. Há várias mudanças a fazer e partes de texto a introduzir que são ditas em voz alta para evitar o esforço  que é para ele agora escrever à mão.


Disse-me há algum tempo que se deve escrever em absoluta solidão, mas a necessidade obrigou-o a proceder de outra maneira. Senta-se estoicamente na cadeira de rodas, descansando as mãos sobre a mesa. A sua velha guitarra Gibson está ali muito quieta a um canto, nunca mais a vai poder tocar.

Faz parte de um tempo presente que o fustiga duramente, tal como não poder bater as teclas da máquina de escrever, laçar o gado e lutar com ele até o domar, orgulhoso nas suas botas de vaqueiro.

Mas nem eu nem o Sam nos referimos a essas coisas. Ele preenche os silêncios com a palavra escrita, na busca de uma perfeição de que apenas ele é portador.”

(“ O Ano do Macaco”, 2019 )