Nunca entendi o motivo do desconforto dos dylanófilos perante
“Self
Portrait”. Talvez a carga negativa que lhe foi colada à pele pelo
cepticismo crítico de Greil Marcus na Rolling Stone de Junho de 1970, explique alguma coisa. Não
certamente tudo.
Antes e sobretudo depois, Dylan produziu discos bem mais
inconsistentes e negligenciáveis. Ninguém
pareceu incomodar-se. “Bringing
it all back home”, “Highway 61 revisited” ( 1965 ) e “Blonde on blonde” ( 1966 ) seriam irrepetíveis. É verdade. Mas “Nashville Skyline” ( 1969
) apesar de a lendária “Lay Lady lay”, já dava mostras de abrandamento do
processo criativo e da busca de alternativas. O acidente de mota e o retiro perto
de Woodstock funcionaram como leitmotiv para o novo Dylan, consolidando-o. Menos
socialmente interventivo, mais perto do ruralismo e da tradição americana.
Daí que “Self Portrait” deva ser enquadrado nesta
realidade. É desequilibrado? Iconoclasta, Presleyiano? É. Mas é ao mesmo tempo um laboratório de experiências sonoras e não será melhor nem pior que “John Wesley Harding”. Diferente, talvez. “All the tired horses” por exemplo, é
enorme em qualquer formato cinemascope ( recordo-me de ter ficado encantado a
primeira vez que escutei aquelas vozes pairando sobre o tapete do órgão, cortesia de Al
Kooper ); “Alberta”, “Days of 49”, “The boxer” ou “Take a message to Mary” são
do melhor que o autor poderia escrever naquelas condições particulares. E o
álbum seguinte, “New Morning”, acabaria por confirmá-lo.
“Another Self Portrait”, uma compilação de demos e outakes que
sobraram das sessões de gravação do álbum original, bem como de “New
Morning”, foi hoje publicada. Ao escutá-la, percebe-se quão desajustadas
terão sido as críticas da altura. Contudo a reavaliação está feita. E fica melhor assim ...