Vivesse-mos num mundo perfeito e não seria necessário falar
dos Green Pajamas. Se justiça
houvesse, a banda de Seattle seria enorme, como de resto merece, e estas notas
seriam no mínimo redundantes.
Em actividade há mais de 25 anos, os GP publicaram cerca de uma vintena de álbuns. Se a estes
somarmos os muitos singles, EPs e os registos solo de Jeff Kelly, falamos de um universo que ultrapassa as 400 canções.
O novo “Death by misadventure” inclui 16 temas e tal como os anteriores
patenteia imaginação e songwriting de excelência. Os textos permanecem eruditos
e demasiado sombrios para os padrões mainstream.
Mas esse é um problema bom e há que aplaudir o facto de Kelly nunca ter cedido às
pressões do mercado.
Dito isto, há que referir o facto de “Death by misadventure”
ser um trabalho que exige muito a quem o escuta. Enquanto colectivo os GP refinaram.
Mais do que uma banda, são hoje uma verdadeira orquestra e por vezes os ( elaborados
) arranjos , funcionam como biombos que escondem deliciosas melodias. Muito mais do que ouvi-lo é preciso escutá-lo.
Duas ideias principais: “The Fall of Queen Bee” e “Cruel
Dreams, Cruel Things”, oito temas dentro de cada uma delas. Depois, é mergulhar
na poesia de Kelly, deixar que a emoção nos conduza, que as guitarras abram
caminho por entre o psicadélico, o clássico ou o étnico. E no final, quase sem
dar-mos por isso, contundidos, regressamos a pérolas como “Sky Blue Balloon”, “Wrong Home”, “A
piece of a dream”, “Christabel” ou “The Spell”. Vestidas de uma elegância
extrema, perfeitas para uma sofisticada tertúlia, musical e lírica.
Em 2000 Jeff
Kelly e Laura Weller criaram a side-band Goblin
Market. Projecto de inspiração Pré-Rafaelita,
conta já com três álbuns. O recente“Beneath far Gondal’s Foreign Sky” é
dedicado à poesia de Emily Bronte e constitui uma absoluta preciosidade. E
estou a pesar as palavras.
Para aqueles que imaginavam nada poder ser mais etéreo do que
a música dos GP, então o resultado da colaboração entre Kelly e a guitarrista
da banda aí está para o desmentir. Depois de “Ghostland” ( cujo tema
era a poesia de Christina Rossetti ) e de “Haunted” (incidindo sobre Joyce
Carol Oates ), “Beneath” é uma peça a um tempo nostálgica, cinemática e bela. Belíssima.
O pretérito é aqui mais que perfeito e as melodias, porventura
ainda mais “redondas” que nos Pajamas, surgem
aditivas e cintilantes. Sensitivas, as vocalizações de Laura Weller são
puro deleite e Kelly demonstra que a fórmula GP está longe de se ter esgotado,
ao contrário adapta-se e reinventa-se. No lugar das omnipresentes guitarras,
surgem as flautas, as cordas, o órgão/piano. E o romantismo sombrio das irmãs
Bronte aplaude. E nós agradecemos, pois “The Night Wind”, “The night is
darkening”, “Remembrance”, “Song” ou “If this be all” são das melhores canções
que escutámos em 2012.
Para se ter uma ideia de como tudo começou, acaba de ser
reeditado “Summer of lust”, a
estreia dos Green Pajamas. Em 1984,
muito antes das atenções se virarem para a chamada cena de Seattle, já Kelly,
Joe Ross e Karl Wilhelm faziam história dando na região sequência ao que anos
antes havia sido o “Paisley Underground” californiano.
“Summer of Lust” é uma das mais inspiradas estreias que a
memória do Atalho regista. À data mais não foi que um diamante em bruto. O
brilho psicadélico foi ofuscado pela sonoridade de garagem e as técnicas de
gravação não ajudaram. Ficou mais próximo dos Marshmallow Overcoat que dos
Dream Syndicate.
Remasterizado a partir da cassete original, transmite
finalmente todo o seu esplendor. É simultaneamente um regalo e uma tristeza.
Regalo, porque se trata de uma página gloriosa do psicadelismo; tristeza,
porque nunca passou das margens. Mas mais vale tarde do que nunca.