26/01/13

Green Pajamas "Death by Misadventure" & "Summer of Lust" / Goblin Market "Beneath far Gondal's Foreign Sky"


Vivesse-mos num mundo perfeito e não seria necessário falar dos Green Pajamas. Se justiça houvesse, a banda de Seattle seria enorme, como de resto merece, e estas notas seriam no mínimo redundantes.

Em actividade há mais de 25 anos,  os GP publicaram  cerca de uma vintena de álbuns. Se a estes somarmos  os muitos singles, EPs  e os registos solo de Jeff Kelly,  falamos de um universo que ultrapassa  as 400 canções.

O novo “Death by misadventure inclui 16 temas e tal como os anteriores patenteia imaginação e songwriting de excelência. Os textos permanecem eruditos e demasiado sombrios  para os padrões mainstream. Mas esse é um problema bom e há que aplaudir o facto de Kelly nunca ter cedido às pressões do mercado.

Dito isto, há que referir o facto de “Death by misadventure” ser um trabalho que exige muito a quem o escuta. Enquanto colectivo os GP refinaram. Mais do que uma banda, são hoje uma verdadeira orquestra e por vezes os ( elaborados ) arranjos , funcionam como biombos que escondem deliciosas melodias.  Muito mais do que ouvi-lo é preciso escutá-lo. 

Duas ideias principais: “The Fall of Queen Bee” e “Cruel Dreams, Cruel Things”, oito temas dentro de cada uma delas. Depois, é mergulhar na poesia de Kelly, deixar que a emoção nos conduza, que as guitarras abram caminho por entre o psicadélico, o clássico ou o étnico. E no final, quase sem dar-mos por isso, contundidos, regressamos a pérolas  como “Sky Blue Balloon”, “Wrong Home”, “A piece of a dream”, “Christabel” ou “The Spell”. Vestidas de uma elegância extrema, perfeitas para uma sofisticada tertúlia, musical e lírica.

Em 2000 Jeff Kelly e Laura Weller criaram a side-band Goblin Market.  Projecto de inspiração Pré-Rafaelita, conta já com três álbuns. O recente“Beneath far Gondal’s Foreign Sky” é dedicado à poesia de Emily Bronte e constitui uma absoluta preciosidade. E estou a pesar  as palavras.

Para aqueles que imaginavam nada poder ser mais etéreo do que a música dos GP, então o resultado da colaboração entre Kelly e a guitarrista da banda aí está para o desmentir. Depois de “Ghostland” ( cujo tema era a poesia de Christina Rossetti ) e de “Haunted” (incidindo sobre Joyce Carol Oates ), “Beneath” é uma peça a um tempo nostálgica, cinemática e bela. Belíssima.

O pretérito é aqui mais que perfeito e as melodias, porventura ainda mais “redondas” que nos Pajamas, surgem  aditivas e cintilantes. Sensitivas, as vocalizações de Laura Weller são puro deleite e Kelly demonstra que a fórmula GP está longe de se ter esgotado, ao contrário adapta-se e reinventa-se. No lugar das omnipresentes guitarras, surgem as flautas, as cordas, o órgão/piano. E o romantismo sombrio das irmãs Bronte aplaude. E nós agradecemos, pois “The Night Wind”, “The night is darkening”, “Remembrance”, “Song” ou “If this be all” são das melhores canções que escutámos em 2012.

Para se ter uma ideia de como tudo começou, acaba de ser reeditado “Summer of lust”,  a estreia dos Green Pajamas. Em 1984, muito antes das atenções se virarem para a chamada cena de Seattle, já Kelly, Joe Ross e Karl Wilhelm faziam história dando na região sequência ao que anos antes havia sido o “Paisley Underground” californiano.

Summer of Lust” é uma das mais inspiradas estreias que a memória do Atalho regista. À data mais não foi que um diamante em bruto. O brilho psicadélico foi ofuscado pela sonoridade de garagem e as técnicas de gravação não ajudaram. Ficou mais próximo dos Marshmallow Overcoat que dos Dream Syndicate.

Remasterizado a partir da cassete original, transmite finalmente todo o seu esplendor. É simultaneamente um regalo e uma tristeza. Regalo, porque se trata de uma página gloriosa do psicadelismo; tristeza, porque nunca passou das margens. Mas mais vale tarde do que nunca.