22/10/10

Wolf People "Steeple"


Em seu tempo, o anúncio da publicação e as primeiras audições de discos como “Aqualung”, “Thank Christ for the bomb”, “Spooky Two”, “Fire and Water”, “John Barleycorn must die”, “Pawn hearts”, “Led Zeppelin III”, “Full house” ou “Marquee Moon”, provocavam-me um misto de curiosidade e excitação. Curiosidade, resultado da percepção de que algo de muito bom estava para chegar; excitação, pela antecipação da estreia no prato do gira-discos. Expectativas que raramente foram defraudadas. Sensações magníficas que ainda hoje guardo na memória.

40 anos após, atirei-me a “Steeple” com o mesmo estado de espírito de outrora. Os sinais anteriores mostravam-se francamente encorajadores e, para o Atalho era óbvio que os Wolf People tinham na forja algo de excepcional. Restava saber se teriam a maturidade necessária para recriar em estúdio todo o talento e potencial patenteados em palco. Conseguiram-no, naquele que é verdadeiramente o seu álbum de estreia.

Steeple” é um trabalho extraordinário. Receio todavia que tal não seja óbvio para toda a gente. Não sendo uma reinterpretação da história “tout court”, é um registo que se revela mais facilmente se quem o escutar tiver no curriculum milhares de kms de rock e de folk-rock. Nessa matéria, julgo que os viajantes do Atalho se sentirão particularmente à vontade. Quanto aos restantes, a solução só pode ser encontrada do lado da persistência e com a ajuda do tempo.

Depois de um conjunto de singles e uma compilação dos mesmos (“Tidings”), “Steeple” inaugura a fase adulta dos Wolf People. As viagens de Jack Sharp pelos trilhos da história do rock e do folk-rock inglês têm agora a companhia de Tom Watt (bateria), Joe Hollick (guitarra) e Dan Davies (baixo). Se já antes as deambulações eram inspiradoras agora, com esta nova formação, são roteiros obrigatórios.



“Silbury sands” por exemplo, é o melhor tema de abertura de um álbum que me lembro desde há anos. Imaginem um riff de Tony Iommi, geometricamente desenvolvido por Tom Verlaine, vocalizado em modo folk por Steve Winwood e adornado com a guitarra estratosférica de Jimmy Page servida em catadupa… Pois, “Silbury Sands” é mais ou menos isso.

“Painted cross” constitui o explanar de diversas ideias e ambientes, com o foco principal em Television, embora vão lá mais atrás até às atmosferas “west-coast” ( Mad River ) ou ao blues rock inglês ( Groundhogs ). “Morning born” é uma favorita aqui pelo Atalho. Jack Sharp vocaliza uma melodia de inspiração folk, mas o tema desenvolve-se num registo ora acústico ora eléctrico, hesitando entre dois paradigmas: “John Barleycorn must die” ( Traffic ) e “III” ( Led Zeppelin ). Quanto a “Cromlech”, um instrumental absolutamente pirotécnico , soçobrei. Faltam-me as palavras. Só escutado.

“Castle keep”. Imagino que nenhum fã de Richard Thompson lhe possa ficar indiferente. O trabalho das guitarras é superlativo e remete-nos para o tempo em que o “mestre” integrava os Fairport Convention 4 ( 1969-1971). Uma conexão que só pode ser apropriada pois o que se segue é a recriação do tradicional “Banks of sweet Dundee”. Dir-se-ia que com tal roupagem, esta belíssima “murder ballad” ficaria bem em “No roses” (Albion Country Band), “Full House” (Fairport Convention) ou até mesmo em “Shades of a blue Orphanage” (Thin Lizzy).

Sintetizando: “Steeple” alia um inteligente e bem orientado trabalho de pesquisa a um enormíssimo apuro instrumental . O resultado é notável, sobretudo quando observadas a juventude e reduzida experiência dos músicos.