28/12/09

Jardins do Paraíso XIX ( Spirit )


Um dos aspectos que sempre me aborreceu nos Led Zeppelin – para além da megalomania rock-and-rolleira típica dos anos 70 e das dezenas de “babes” com que Robert Plant de forma mais ou menos lânguida coloria as vocalizações, - tinha a ver com aquela atitude de rapina quase institucional que o grupo, e em particular Jimmy Page, praticava relativamente a “malhas”, riffs ou melodias criadas por outros músicos. E não falo tão pouco da “inspiração” que foram procurar nos velhos bluesman norte-americanos e que foi bastante, conforme é comummente aceite. Falo por exemplo de “Dazed and confused”, um original de Jake Holmes para o álbum “The above ground sound”. Falo do instrumental “Taurus”, da autoria de Randy California para o LP de estreia dos Spirit em 1968 e que três anos mais tarde fomos reencontrar na introdução de “Stairway to heaven”; uma decisão que se viria a revelar muito rentável para os Zeppelin mas que nada trouxe a Califórnia, excepto uma justificada antipatia por Page que haveria de durar até à morte do americano em 1997.

Relativamente aos Spirit, afinal a razão da existência deste post. Há alguns dias, quando lia um dos muitos obituários sobre o recente desaparecimento de Jack Rose, uma história recordou-me os Spirit. Nick Castro contava que em 2004, aos 25 anos, conheceu Rose. Este perguntou-lhe o que achava dos Allman Brothers. O jovem guitarrista, meio embaraçado, lá foi dizendo que não apreciava especialmente a banda sulista ao que Rose, rindo, retorquiu: “quando fizeres 30 anos vais adorá-los!” “Tinha razão”, acrescentou Nick Castro a terminar o seu obituário.

Passou-se o mesmo comigo relativamente aos Allman Brothers. Mas, sobretudo, sucedeu-me o mesmo com os Spirit. Excluindo porventura aqueles que lhes foram contemporâneos, ninguém aos 20 anos aprecia os Spirit. Aos 30, a banda californiana passa a ser olhada de forma diferente e alguns anos mais tarde, integra em definitivo o Top dos grupos californianos, ao lado dos Quicksilver Messanger Service, Byrds, Grateful Dead, Doors, Love ou Jefferson Airplane.

(Spirit, no Grande Ballroom, Detroit 1968, poster de Carl Lundgren)

Em 1968, na estreia com “Spirit” e a seguir com o enorme The family that plays together”, a banda de Randy California, Jay Ferguson, Mark Andes, John Locke e Ed Cassidy, configurava uma daquelas desconfortáveis situações em que se tem razão antes de tempo. Com efeito, o colectivo de Topanga Canyon era na época uma espécie de laboratório, um local de ensaio e experimentação onde o jazz, o rock , o blues, o clássico, o folk e o avant-garde, interagiam dando origem a linguagens novas, demasiado adultas para se compaginarem com o psicadelismo reinante.

O primeiro single “Mechanical world” não podia ser pior compreendido e as respectivas ondas de choque encontraram dificuldades para ultrapassar o perímetro de Los Angeles. “Fresh-Garbage” também integrado em “ Spirit” corrigiu o tiro, mas temas como “Taurus”, Elijah”, “Gramophone man”, “Topanga Windows” ou “Water woman” ficaram enclausurados entre o génio do quinteto e a indiferença das audiências.

“I got a line on you”, é a perfeição compactada em 2 m e 39 s. The family that plays together” que o alberga, é um daqueles álbuns relativamente aos quais tenho dificuldade em ser objectivo e mesmo que o tentasse corria o risco de esgotar todos os superlativos do meu léxico. Daí que o melhor talvez seja ficar por aqui, não deixando no entanto de referir e sublinhar títulos como “It shall be”, “All the same”, “Dream within a dream” ou “Aren’t you glad”.

(Spirit, 1969 )

Clear” já de 1969, está um par de furos abaixo, sendo que ainda assim integra pérolas como “Dark eyed woman”, “So little time to fly”, “Ground hog”, “I’m truckin” ou “New dope in town”.

Twelve dreams of Dr. Sardonicus” já de 1970 constitui o legado definitivo dos Spirit, espaço onde todas as experiências anteriores são concatenadas. Do instinto primitivo de Hendrix (com quem de resto California tocou), até ao psicadelismo soft dos Love, passando pelo caldo de country blues que Jerry Garcia, Bob Weir e Phil Lesh gostavam de exercitar nos Grateful Dead, ou pelas sementes do que mais tarde se viria a chamar de “hard-rock” americano ( escutem por exemplo a barragem de guitarras em “When I touch you”).

Qualquer discoteca criteriosa deve incluir os quatro primeiros discos dos Spirit, provavelmente o melhor quarteto de álbuns sequenciais da história do rock. Se tal não for possível então a compilação da australiana Raven “Fresh from the time coast, The Best of 1968-1977”, a mais recente de entre as várias que já se debruçaram sobre os Spirit, pode suprir a lacuna. Com a vantagem adicional de estender a recolha até 1977 e por essa via, incluir temas publicados em formato single (“1984” inspirado no romance de Orwell ) e/ou oriundos de álbuns excelentes embora menos urgentes como “Feedback”, “Spirit of 1976”, “Son of Spirit”, Farther along” ou “Kapt. Kopter & The (Fabulous) Twirly Birds”, este último um retrato quase perfeito da obsessão de California pela guitarra do “buddy” Hendrix.