“Tinham começado a deparar com extensões de pinheiros mortos, derrubados por ciclones, grandes rasgões de devastação na paisagem, como golpes de gadanha. Destroços de edifícios espalhados por todo o lado e novelos de fio dos postes da berma emaranhados como fragmentos de malha. A estrada encontrava-se juncada de detritos e não era fácil avançar com o carrinho. Por fim, sentaram-se os dois na berma, a perscrutar o que tinham diante dos olhos. Telhados de casas, troncos de árvores. Um barco. Ao fundo o céu aberto e, ao longe, o mar soturno a ondular molemente.” ( Cormac McCarthy, “A Estrada” )
Na ficção de McCarthy o homem e o rapaz, depois de uma peregrinação épica através das estradas retalhadas do mundo pós-apocalipse, chegam finalmente ao mar. Para eles a aventura terminava ali, numa elevação por cima das dunas, observando a praia marmoreada de destroços e o oceano cinzento, lá ao longe.
Para os Teeth of the Sea, a epopeia começa exactamente ali, no local onde “as ondas rebentam e recuam de novo sobre a areia sombria e mosqueada”.
“Orphaned by the ocean” o registo de estreia deste colectivo londrino, não podia ser mais auspicioso. Inspirado, voluntariamente ou não, na supra citada obra de Cormac McCarthy este projecto sónico-experimentalista reflecte também uma visão pouco optimista dos comportamentos humanos, com os seus semelhantes e com a natureza. Soçobra uma ténue esperança no texto reproduzido no booklet do CD, mas pouco mais do que isso.
O álbum integra sete peças instrumentais. Derivações avant-rock, que conduzidas ora pelos efeitos electrónicos da guitarra, ora seguindo as investidas cósmicas do trompete, mas sempre escoradas no compasso tribal que emerge da secção rítmica ( Joy Division e “Dead Souls” estão lá por trás, à espreita ), percorrem um significativo roteiro de “estradas” que antes de desaguarem no oceano, serpenteiam pelos trilhos do space, psych, kraut e avant-rock, numa combustão sonora que não deixará ninguém indiferente.
( poster, autora Kate "Masonic Boom" St. Claire )
“Swear blind the alsatian’s metting” e “Sentimental Journey” em particular, sugerem tempestades que após o respectivo crescendo apocalíptico, gradualmente, se dissolvem em espaços de quietude como “Dreadnought” ou “Latin inches”, momentos de tréguas implementadas pela necessidade de remover os destroços que inevitavelmente deram à costa.
Robert Wyatt, certamente não se teria importado de emprestar a sua voz, a mais triste do mundo, a este magnífico conjunto de paisagens exaustas e cinzentas.