Após longos anos de disputas legais para se saber quem detinha de facto os direitos de “Pacific Ocean Blue”, eis que finalmente este magnífico artefacto está novamente disponível, mais de 30 anos depois de ter sido publicado, em Setembro de 1977.
Para aqueles que como eu, lidam mal com o paradigma Beach Boys, esqueçam que Dennis Wilson foi alguma vez um Beach Boy, curiosamente e ao que consta, o único que praticava surf.
“Pacific Ocean Blue” está para os Beach Boys como “Plastic Ono Band” de Lennon está para os Beatles, “If I could only remember my name” de David Crosby para Crosby, Stills, Nash & Young ou “No other” de Gene Clark para os Byrds. Nada a ver.
É verdade que coexistem na construção musical e em alguns arranjos pontos de contacto com a fórmula Beach Boys (o irmão Carl, ainda que não mencionado por razões contratuais, colabora no disco e existem suspeitas que Brian também passou pelo estúdio ), mas tudo o resto tem outra génese.
O mote fica dado com a abertura: “River Song”. Cinematográfica, lírica, enorme na forma e na substância. Pelo caminho “Farewell my friend”, “Moonshine” e “End of the show”, retratos do estado de alma de Dennis, em permanente luta com os seus fantasmas ( amigos que partem, a droga, a falta de reconhecimento artístico no seio e fora da banda, crises familiares ). Aqui e ali, um refúgio de tranquilidade (“Thoughts of you”, “Time” ) ou locais de escapatória possível (“México”, “Pacific Ocean Blue” o tema título ).
No fim, um registo esplendoroso e sem tempo, que nos convoca a reler Malcolm Lowry (“Debaixo de um vulcão” ), Kerouac (“Big Sur”) ou a rever o road movie “Two-Lane Blacktop” ( “Corrida sem fim” em português ), realizado por Monte Hellman em 1970 e protagonizado pelo próprio Dennis Wilson, James Taylor e por esse pequeno grande actor que se chamou Warren Oates. Um filme que ajuda a perceber melhor a alma atormentada e o espírito indomável de Dennis.
Para além da qualidade da canções, a reedição de “Pacific Ocean Blue” é francamente recomendável. Mais quatro temas até agora oficialmente inéditos, bem como a totalidade das sessões que produziram “Bambu”, o álbum que Dennis gravou posteriormente e que salvo alguns “bootlegs”, nunca foi legalmente editado. Recuperação áudio e trabalho gráfico extraordinários.
Um dos raros casos em que uma reedição acrescenta algo ao original.