Existem numerosos exemplos da aplicação prática da teoria
gestáltica. Na verdade, não é possível conhecer o todo observando apenas as partes,
pois o conjunto é frequentemente diverso da mera soma daquelas.
Atente-se por exemplo na banda californiana Heron Oblivion. Noel Harmonson e Ethan
Miller são veteranos dos Comets on Fire,
sendo que o último ainda alimenta os psiconautas Howlin’ Rain. Charlie Saufley assegurou a guitarra nos magníficos Assemble Head in Sunburst Sound e Meg Baird, a mais improvável dos amigos
aqui presentes, é tudo aquilo que se sabe: Espers,
colaborações várias ( Helena Espvall, Sharron Kraus ) e belíssimos discos a
solo.
Com artífices deste calibre “Heron Oblivion” reunia
todas as condições para ser um grande disco. É porém muito mais do que isso. É
sublime, ou talvez mesmo mais.
A “west coast vibe” está presente ao longo de todo o álbum,
funciona como espécie de fio condutor associado ao processo de criação e
arranjo dos temas. Uma miríade de “happy trails” que conduzem a paisagens “pastoral psych” que, ora optam por coloridas
vertigens de “feedback”, ora procuram os silêncios da folk.
“Beneath Fields” é particularmente impressivo. Abre
celestial, cortesia de Meg Baird, mas rapidamente deriva para as vibrações west
coast, catapultado pelas guitarras gémeas de Harmonson e Saufley que, com
mestria, gerem a tensão própria do vibrato que John Cipollina inventou há muitas décadas. “Oriar” é tudo isto acrescido
de uma bateria tribal e de um feedback pirotécnico.
“Rama” são 10 minutos de pura beleza. A voz e percussão de
Meg Baird percorrem um trilho de serenidade e gentileza que mais à frente irá
desembocar num cruzamento, onde as guitarras ácidas de Saufley e Harmonson se digladiam,
discutindo a prioridade. Imaginem Cipollina em plena altercação com Michio Kurihara e estão lá perto.
“Faro” poderiam ser os Dream
Syndicate metamorfoseados de Opal
e “Seventeen Landscaps” os Jefferson Airplane
em modo “jam session”. A fechar, “Your hollows”, é o paraíso na terra;
angelical e inspiradíssimo o canto de Meg, celestial e apocalítico o duelo fratricida
das guitarras. Um final perfeito para um álbum mais que perfeito.