“Tô cheio de cicatrizes, tô cansado, sou um cara triste e isso não
depende de mim, quase nunca rio, mas quando me virem rir é porque é verdade…”
(Milton Nascimento )
Não é exactamente o tipo de sonoridade que melhor se enquadra
nos padrões do Atalho mas, a propósito de mais uma anunciada visita de Milton Nascimento, deixo uma reflexão,
com a perfeita convicção que muitos anos volvidos sobre os episódios que abaixo
relato, continuamos a falar de um dos maiores compositores do Brasil e de uma
das mais belas e versáteis vozes humanas em actividade ( “ … a mais fantástica voz de homem que
actualmente se pode ouvir …“,
Rock & Folk nr. 113, Junho 1976 ).
Na primavera de 79, entre livrarias, discotecas, bistrots mal
amanhados, Centro Pompidou e galerias de
arte, eu e o João Lisboa, “vagueávamos” nas ruas de Paris, sempre hesitantes
entre a rive gauche e rive droite. A determinada altura parámos surpresos. Num
dos placards publicitários especificamente colocados para o efeito, um cartaz
anunciava um concerto de Milton Nascimento no Olympia. As nossas reservas monetárias estavam no limite
da sobrevivência e o tempo escasseava, pelo que a presença no concerto estava
fora de questão.
Ainda assim, porque a admiração era enorme, procurámos chegar
à fala com “Bituca” para, no mínimo,
obter uma entrevista. Já não faço a menor ideia como descobrimos o hotel onde
estava hospedado, mas conseguimos contactar Wagner Tiso (o pianista e amigo )
que nos informou que dentro de uma semana, Milton estaria no Coliseu para dar o
seu primeiro concerto em Portugal. Entrevista de imediato combinada para o dia da
chegada a Lisboa.
Na data e no local previamente acertados, aguardávamos.
Milton chegou com o seu secular boné , óculos escuros sonolentos, estômago
proeminente - apanágio de todo o mineiro
que se preza - , mas completamente vergado pelo cansaço. Honesta e humildemente
pediu desculpa por não nos conceder a entrevista. Precisava descansar para o
concerto da noite no Coliseu. “Mandem-me
as perguntas para esta morada”, atirou. “Eu respondo na volta do correio.”
Nessa noite um Coliseu a abarrotar, funcionou como anfitrião para
uma das mais dotadas vozes humanas que teve oportunidade de escutar e deliciou-se
com 16 canções magnificas; melodias
construídas por Milton em torno de poemas seus, de Fernando Brant, Ruy Guerra,
Ronaldo Bastos e Márcio Borges.
Desde esse dia, “nada mais foi como dantes”. Nem podia!
Desde esse dia, “nada mais foi como dantes”. Nem podia!
Cerca de um mês depois, o cidadão Milton Nascimento,
endereçou uma carta aos cidadãos Luis Peixoto e João Lisboa. No interior,
dactilografadas, vinham as respostas às perguntas que lhe tinham sido oportunamente
remetidas …