No decorrer de 1959 Loukas e
Margaret Matheou adquiriram em Londres, no número 49 da Greek Street. No imóvel
projectavam estabelecer um restaurante especializado em comida, não grega mas
francesa. Nos anos que se seguiram e à medida que o negócio fluía, concluíram
que o espaço era excessivo para um restaurante. Implementaram alterações, lançando
os alicerces para um clube cujo objectivo seria a promoção e divulgação das
músicas folk e blues, à época géneros predominantes nos finais de tarde do
Soho.
Ainda que sem licença para a
actividade, “Les Cousins, Club Continental” abriu as portas no dia 4 de Outubro
de 1964, tendo encerrado cerca de seis anos depois em Abril de 1972. Durante o
período foi um porto ( palco no caso ) seguro para a grande maioria dos
talentos que focados nas linguagens folk e blues, demandavam reconhecimento e
sucesso no então artisticamente efervescente bairro londrino.
Americanos: Paul Simon. Tim
Hardin, Tom Rush, Spider John Koerner,
Derroll Adams, Jackson C. Frank, Dave Van Ronk, Julie Felix; britânicos: de
Bert Jansch a Nick Drake, passando por Sandy Denny, Cat Stevens, Wizz Jones, Shirley
Collins, Al Jones, Keith Christmas, Watersons, Shelagh McDonald, Martin Carthy,
Kevin Ayers, Ian A. Anderson, John Martyn, Anne Briggs, C.O.B., Alexis Korner,
Roy Harper, Bridget St. John, Plainsong, Nadia Cattouse … entre muitos outros, figuram
entre os nomes documentados como tendo actuado no Les Cousins.
A compilação “Les Cousins, The
Soundtrack of Soho’s Legendary Folk & Blues Club”, curada e magnificamente anotada
por Ian A. Anderson, oferece 62 temas de um igual número de artistas.
Não constituindo embora uma total revelação para os que se interessam pelos géneros musicais em análise - ainda assim e como seria expectável, existem aqui algumas muito agradáveis surpresas ; a título de exemplo relevam-se “Leaf without a tree” de Sam Mitchell apenas publicado na compilação da Music Man “Firepoint, A Collection of Folk Blues Tracks”, “Bye Bye Bohemia” de Tom Yates ou “Memory Book” de Mudge & Clutterbuck, publicado num EP raríssimo da Saydisc em 1968 - , é todavia uma delicia do primeiro ao sexagésimo segundo tema.
Depois das séries “Pebbles” e, sobretudo, após a mítica “Nuggets, Original Artyfacts from the First Psychedelic Era 1965-1968”, resta pouco espaço para compilações com vista para o garage / fuzz norte-americano daqueles anos. No entanto, mais ou menos interessantes, continuam a proliferar validando e eternizando um género que se reconhece importante embora frequentemente sobrevalorizado.
“Pushin’ Too Hard, American
Garage Punk 1964-1967” é mais um desses exemplos. Porventura demasiado
optimista: 94 temas ( 31 no CD1, 32 no CD2 e 31 no CD3 ) maioritariamente em
mono ( apenas 7 versões stereo ), revela algumas contraindicações. A saber: a) os
textos das sempre necessárias e interessantes notas do booklet estão impressas em
tamanho minúsculo, facto que os nossos olhos, já com bastante mais passado do
que futuro, não apreciam especialmente; b) ainda que enérgicos mas genericamente
carecendo duma sofisticação que sempre dá algum jeito, à medida que a audição
vai decorrendo, a sensação que emerge é a de que os temas apresentam poucas
diferenças entre si.
Exceptuam-se aqueles que deixaram
para trás as óbvias influências da “british invasion” ( Kinks, Yardbirds, Rolling
Stones, Pretty Things, etc ) prevalecendo
aqueles outros verdadeiramente bafejados
pelo talento dos seus autores. Falamos de clássicos como os Remains, Seeds,
Beau Brummels, Paul Revere & The Raiders, 13th Floor Elevators, Electric
Prunes, Shadows of Knight,, Sonics, Standells … ou de magníficas surpresas como
The McCoys, Fenwyck, The Leaves, The Bees The Squires, The Liberty Bell, The
Zakary Thaks ( conferir a compilação publicada em 1982 “Liberty Bell / Zakary
Thaks, Texas Reverberations” ), Thursdays Children ( o excelente “You can
Forget about that” pode também ser encontrado em “Never Ever Land, Texan
Nuggets from International Artists Records 1965-1970” ).
Resumindo, ambiciosa em demasia e
exagerando na arqueologia, “Pushin’ Too Hard” é uma daquelas compilações que
tem como alvo principal os convertidos, marginalizando os neófitos
eventualmente interessados no saudável exercício de iniciação ao género.
O universo das “private pressings”
- álbuns compostos, interpretados, gravados e usualmente publicados num registo
DIY pelos próprios artistas ou por uma editora amadora - , constitui, já o referimos anteriormente no Atalho, um espaço
apaixonante, inesgotável e em permanente registo de descoberta. O senão, nada despiciendo,
prende-se com o facto de as edições serem por razões compreensíveis muito
limitadas, logo muito raras e como tal dispendiosas.
“One Mile From Heaven” propõe-nos
duas dezenas de canções retiradas de outros tantos álbuns de artistas norte-americanos
e canadianos, os quais por razões conjunturais ou por pura convicção recusaram
os ditames da indústria, optando por perpetuar a sua música através das ditas edições
privadas.
Exclusivamente focada na década de 70, “One Mile From Heaven”, aborda o nicho dos “singer-songwriters”. O bom gosto que resulta da selecção é superlativo, sendo irrelevante se raízes emergem das sofisticadas Nova Iorque, Los Angeles, Lauren Canyon ou Vermont, ou das rurais Illinois, Indiana, Utah ou Minnesota.
Alguns dos nomes propostos são já
medianamente conhecidos ( Gary Higgins, Bob Trimble, Bob Patterson, Jim
Sullivan, Merrell Fankhauser, Michael Yonkers ), a maioria todavia constitui
uma estimulante descoberta.
Alicia May com “Summer days”, um título delicioso com a voz da autora a hesitar entre as performances vocais de Joni Mitchell e Margaret Morgan dos These Trails; os irmãos Chuck & Mary Perrin e o seu folk rock melancólico; Dan Modlin & Dave Scott cujo álbum “The train don’t stop here anymore” é um dos melhores discos publicados no Indiana; o folk-rock de Billy Hallquist e de Richard Goldman; os arranjos de cordas no tema “More Beautiful” de Naomi Lewis; as óbvias influências “Veedon Fleece” em “In The Sun” o título do canadiano de origem goesa Carm Mascarenhas; o psych-folk de Olav Rixen & Ulrich Fausten, dois alemães radicados em Vancouver …
“One Mile From Heaven” fornece um manancial de pistas que os amantes do género retratado seguramente agradecem. Tão cedo vai ser difícil encontrar uma compilação tão bela e equilibrada quanto esta.