Existem momentos na vida em que tudo à nossa volta se
desmorona, nada parece fazer sentido, os raciocínios lógicos são uma miragem, os
caminhos estreitam-se e a única saída que se vislumbra é um difuso e perigoso
abismo. Depois, basta uma palavra esparsa ou um sorriso avulso de alguém que
nem sequer conhecemos, uma frase retirada de um livro ao acaso, a tonalidade de
uma paisagem que sempre lá esteve mas que naquele momento surge inédita, uma melodia
ao acaso… e tudo volta a ser familiar. Tristes contentes, voltamos ao trilho e
seguimos em frente, no habitual fado do “como não pode deixar de ser”.
Há dias, quando o piano catatónico, as vozes off e os sinos
eclesiásticos de “No Roads lead to Rome”, o tema de abertura do novo Four Quartets, iniciaram a sua espiral
evolutiva em redor dos sentidos, percebi que tudo na vida deve ter, apenas e só, a sua exacta dimensão. Na
alegria e na tristeza, tudo é relativo e a correcta perspectiva das coisas nem
é assim tão difícil de atingir. Basta olhar para o lado. E ver.
Para aqueles que seguem o Atalho desde o inicio, o nome de Rob Sharples já não é uma novidade.
Sigo-lhe a trajectória desde 2006 quando “So the story goes”, o
primeiro EP, foi editado. E, aqui e ali, apreciando mais ou menos das canções
que vai produzindo, continuo absolutamente convencido que se trata de um dos mais
inspirados autores de canções que a Inglaterra produziu neste século.
Detentor de uma sensibilidade invulgar, patente nas letras,
mas sobretudo nos arranjos delicados e sofisticados com que embrulha as canções,
Sharples, repito, transpira toda aquela secular “englishness” que no passado
foi a imagem e constituiu a personalidade de nomes como Nick Drake, Sandy
Denny, John Martyn ou Shirley Collins.
O novo “Atlas Collapsing” uma vez mais
assinado com o “nom de plume” Four Quartets, será porventura o menos
imediato dos trabalhos de Sharples. A razão radica porventura na inabitual barragem
instrumental que desta vez envolve a maioria das canções. Mas, uma vez ultrapassado
esse primeiro impacto, e as cordas, percussões e guitarras eléctricas
devidamente arrumadas no seu espaço, desaparece a “sindrome Radiohead”, a
sinapse é uma realidade e as melodias surgem belíssimas, elegantes, como nunca
deixaram de ser.
Canções a referir? Tarefa difícil e que deverá ser tratada no
âmbito do foro individual de cada um. “Alter Egotist” como o seu crescendo melódico,
instrumental e vocal, será talvez a favorita do Atalho, mas “Atlas
Collapsing” não sendo tão imediato quanto “The Paragon of animals” ( 2011 ) alberga
algumas das melhores criações do autor e possui todos os ingredientes para
envelhecer digna e graciosamente. Assim
lhe demos o espaço e o tempo que necessita.
Nota: “Atlas Collapsing” foi publicado
apenas em suporte digital ( aqui ) e segundo apurei junto do autor, não existem para já planos para
qualquer edição em cd ou vinilo.