28/02/11

John Cale em palco

Paris, 15 Abril 1981. Naquele fim de tarde invulgarmente ameno para a época do ano no local, o João Lisboa e eu atravessámos a cidade em direcção ao “11º arrondissement”. O destino era o número 50 do Boulevard Voltaire. O objectivo, assistir ao concerto parisiense da tournée de suporte ao recém-editado Honi soit”.

Ao transpor o átrio do Bataclan nenhum de nós podia imaginar o que se iria passar a seguir no palco do velho teatro.

Quando “Dead or alive” e, logo a seguir, “Strange times in Casablanca” explodiram, estilhaçando acorde atrás de acorde, numa atmosfera absolutamente insana, suportada por uma secção rítmica em chamas e por um John Cale verdadeiramente possesso, foi como se todo aquele público estupefacto, ao contrário do que minutos antes imaginara, se desse conta que afinal não estava preparado para encaixar um tão violento soco no estômago.


Durante cerca de 1 hora, entre o piano eléctrico e a guitarra, Cale não se preocupou em fazer prisioneiros. “Fighter Pilot” e “Wilson Joliet” seguiram o rasto das chamas e a coisa só “amenizou” – relativamente - com “Streets of Laredo” e “Riverbank”.

Quando a prestação terminou, a audiência, a totalidade da audiência, encontrava-se absolutamente K.O. A tal ponto que durante cerca de meio minuto, o silêncio foi a única reacção possível; até que na plateia, alguém mais corajoso ensaiou umas tímidas palmas, rapidamente transformadas numa ovação ensurdecedora e interminável.

Depois disso, assisti a vários concertos do “big man”, todos diferentes e meritórios. Porém não me recordo de nenhum que se tenha sequer aproximado do cataclismo que o Bataclan esteve perto de sofrer naquele fim de tarde primaveril. Talvez por que uma tal performance seja irrepetível.



Não obstante, no passado sábado assisti em Torres Novas a um grande concerto de John Cale. Passaram 30 anos desde aquela tarde louca do Bataclan. O homem carrega nos ombros 68 anos de lenda. Uma realidade física que já não é possível disfarçar. Naturalmente a energia não é nem podia ser a mesma. No entanto a intensidade, aquele sentimento que o galês coloca em tudo o que faz, está lá mais presente do que nunca.

A abrir “Heartbreak Hotel” surgiu algo descaracterizado, mas as coisas cedo entraram no trilho com “Hush”, “Mailman” e “Hey Ray”. “Catastrophic” e “Whaddya mean by that” foram excelentes surpresas e “Amsterdan” esteve majestosa como de costume. “Guts” e, sobretudo, “Pablo Picasso” mostraram como é fácil a um grande músico retirar o melhor de três instrumentistas jovens ( banda de suporte ) e promissores. “Chorale” foi o encore surpresa , quando o Teatro Virginia esperava “Close watch”.

Cale demonstrou uma vez mais que não é um artista como os outros. É algo mais. Esperemos por ele de novo em 2012.